2006-07-30
Por ter um compromisso para almoço, não pude concluir o percurso de hoje da SRU. Aqui ficam duas fotos do ínicio, de qualquer modo.
O concurso quanto a mim não é de ideias, é de programa!
A verdade é que a Câmara não tem programa definido para a requalificação da Quinta do Covelo, procurando através de um concurso de ideias, que ninguém ainda percebeu muito bem como se processa e qual a finalidade, chegar a um programa que poderá ser a base da eventual realidade pretendida para o dito espaço.
A ideia não é mal intencionada, porém o molde de aplicação não é o ideal. Quando se fala na necessidade de dar oportunidade a todos de participar na discussão e na construção da cidade, pretende-se a possibilidade de em sede própria se proceder a uma discussão racional e faseada de vários reptos lançados pela Câmara na qualidade de entidade promotora do projecto. Emitidas, ouvidas e discutidas essas opiniões provenientes dos diversos actores sociais que juntos formam a Polis ou até a Metropolis, procede-se então à elaboração consciente, convicta e coerente de um programa base que sustente um posterior concurso público de arquitectura. Na minha opinião esta atitude já mostra um avanço em relação ao direito da livre concorrência entre arquitectos por parte da Câmara, contudo nos moldes menos indicados.
A Ordem dos Arquitectos com a sua intervenção, também ela bem intencionada, vem de certa forma dar uma machadada na formação dos políticos em relação ao conceito de concurso público de arquitectura. Porque quando falam na obrigação de constituição de equipas multidisciplinares por parte do arquitecto concorrente para ter acesso ao concurso, estão a proteger os grandes gabinetes, que têm consultores permanentes nas mais variadas especialidades, e a barrar o acesso aos jovens arquitectos que vêem a sua participação fortemente condicionada com a obrigatoriedade de encontrar consultores nas mais diversas áreas que se predisponham a consigo participar num concurso que à partida não sabe se ganha, ou se mesmo que ganhe se concretiza, pois com a mudança da cor partidária ou do lobby defendido pelas pessoas que conduzem os destinos autárquicos, o seu projecto pode ser relegado para a gaveta ou então ver-se anulado com um novo concurso para o mesmo problema, como já ocorreu no nosso País.
Os concursos públicos não devem ter como finalidade a apresentação de um projecto de execução como muitos autarcas apelam, devem sim escolher o melhor conceito dos mais diversos pontos de vista (ambiental, económico, sociológico, antropológico) e então contratar o arquitecto vencedor para proceder à execução do projecto.
Ou acham que no concurso por convite que ocorreu no projecto da Casa da Música, os arquitectos Vinõly, Perrault e o próprio Koolhaas apresentaram propostas concretas dos seus projectos com o auxílio de consultores especializados nas mais diversas áreas munidos com estudos detalhados? Esses consultores entram realmente em acção numa fase mais avançada do projecto depois de escolhida a proposta vencedora e onde aí sim estas têm um papel importantíssimo na qualidade final da obra e em todo o seu processo de construção. Se permanecerem dúvidas convido-os a pesquisarem a proposta apenas de volumes que Óscar Niemeyer apresentou, e com a qual ganhou o concurso para a cidade de Brasília actual capital política do Brasil.
Cumprimentos
Luís Sousa
P.S. Não se pode pedir experiência profissional a um arquitecto sem lhe dar a oportunidade do exercício da sua profissão.
Senhores Arquitectos
Permitam-me que quem nada sabe de arquitectura faça a seguinte interrogação: não se trata de um "concurso de ideias"? E assim for será o dono da obra que tem de dar as ideias do que quer em vez de serem os concorrentes a apresentarem as "suas" ideias?
Francisco Oliveira
- Vale a pena ver este vídeo com uma apresentação excelente sobre alguns aspectos da evolução do mundo nos últimos anos. Estatísticas apresentadas como deve ser, provando que o bom design multimédia pode ser verdadeiramente útil. (Já não me lembro onde encontrei a referência.)
- Entrevista com o novo reitor da Universidade do Porto
- Outra entrevista...
- Governo suspende PDM de Matosinhos
- Teatro Rivoli teve quase 400 espectadores por dia em 2005
- Debate sobre o PNPOT? Não houve...
No Porto não sei bem como é, mas esta notícia Governo quer fundir freguseias do centro histórico do Porto faz todo o sentido. Em Lisboa existem estes 12 (Doze) exemplos.
Luís Bonifácio
Caros Colegas Edgar Soares e Pedro Lessa
Cada classe profissional tem a Ordem que merece!
Apesar da grande amizade que tenho pelo João Pedro Serôdio, a verdade é que a Secção Regional da Ordem dos Arquitectos mais não tem feito do que organizar umas exposições, conferências e festas (I love Távora).
Lembram-se daquilo que aconteceu quando a CMP anunciou que ia entregar, de mão beijada, a "Requalificação da Circunvalação" a três "jovens" arquitectos? Na altura, a OA também emitiu um comunicado... Até hoje, nunca mais se ouviu uma palavra, ou seja, a Ordem cumpriu a sua obrigação e ponto final.
Com o "Covelo", vai acontecer a mesma coisa.
Pedro Aroso
Caro Pedro Lessa,
Bem compreendo a sua angústia de jovem arquitecto. A sua, e a de todos (muitos) quantos estão de facto fartos das incoerências e incompetências desta autarquia. Hélas, "democracia" oblige, não é? Esta democracia tem ratoeiras inadmissíveis, mas não se pode acordar a "menina", porque ela está bem é a dormir...
Pela minha parte já não perco mais tempo a falar de Rui Rio, nem com quem ainda lhe reconhece alguma validade. É tempo perdido. Quem quiser que se entretenha a descobrir-lhe virtudes, porque eu nunca dei para esse peditório nem penso vir a dar. Acabou. Rui Rio não é o Porto, e o Porto é a única coisa que me interessa neste blog.
Só quero é transmitir-lhe o meu abraço solidário de portuense assumido e genuíno.
Rui Valente
Caro Edgar Soares, infelizmente desta câmara já tudo se espera. Mesma depois daquela famosa tirada da excelentíssima figura, quando afirma que para intervir na Av. dos Aliados tinha que ser um arquitecto com experiência como o mestre Siza, porque os jovens arquitectos não têm capacidade para tal, vê-se agora a importância que se dá aos jovens arquitectos com este "concurso à portuguesa". Felizmente que a Ordem já vai estando atenta. Vai estando, agora. Agora...
Se não temos arcaboiço para intervir em locais como a Avenida, se os concursos de ideias são o que são (deduzo que na cabeça do dito senhor será só para eles que temos capacidade) ao ponto de a Ordem os desaconselhar, consegue-se ter uma percepção do que é o mercado de trabalho na nossa cidade para nós jovens arquitectos. Quanto a este episódio da Quinta do Covelo, eu já tinha alertado, lembram-se?
Ainda falta quanto tempo para o fim deste martírio? Parece-me uma eternidade, porque reflecte-se na nossa estimada cidade e ainda por cima nada podemos fazer por ela porque não temos capacidade... Como será o Porto daqui a uns anos? Esperemos que, pelo menos, sem estes caranguejos, que só andam para trás e como a burra que só faz para trás.
Cumprimentos,
Pedro Lessa.
pedrolessa@a2mais.com
Ainda se lembram daquele caso que vos mostrei há pouco tempo em Miragaia? Pois o resultado final da «obra» foi o que se vê. Esconde-se a chaga, varre-se a porcaria para debaixo do tapete, disfarça-se a decadência. Enfim, longe da vista, longe do coração. Pelo menos não espetaram ali com um painel publicitário (até ver). Em definitivo, esta cidade não anda nada bem.
Queria deixar aqui o parecer emitido hoje pela Ordem dos Arquitectos sobre o concurso de ideias para a Quinta do Covelo. Mais um tiro no pé no que respeita à credibilidade da CMP, SRU e entidades afins.
Espero que o parecer da Ordem quanto às irregularidades do Programa VIV'A BAIXA, seja tão assertivo quanto este.
Edgar Correia Soares
COMUNICADO / Concurso Quinta do Covelo
Concurso de Ideias para a Requalificação da Quinta do Covelo / Porto
O Conselho Directivo Regional do Norte (CDRN) da Ordem dos Arquitectos, após análise do respectivo processo de concurso, considera não recomendável a participação, por parte dos membros desta Ordem, no Concurso de Ideias para a Requalificação da Quinta do Covelo, promovido pela Câmara Municipal do Porto.
Este entendimento do CDRN resulta das seguintes inconformidades no Processo de Concurso:
- - não exigência, aos concorrentes, de qualificação profissional específica compatível com a tipologia dos actos próprios a praticar no âmbito deste concurso;
- - não exigência, aos concorrentes, de constituição de equipa técnica multidisciplinar, considerada indispensável, em face da natureza do objecto do concurso;
- - falta de coerência entre o objectivo do concurso (recolha de ideias) e o grau de desenvolvimento pretendido das propostas (estudo prévio, traduzindo-se num concurso de projecto);
- - ininteligibilidade do regime de direitos de autor subjacente ao concurso, ao propor uma ambígua reserva de 'propriedade exclusiva' a favor da Entidade Promotora;
- - não disponibilização de elementos informativos, suficientes, sobre a área objecto de estudo, em grau informativo compatível com o nível de exigência pretendido para a proposta (estudo prévio);
- - não especificação das habilitações profissionais do júri (nos termos do art.170.º, Decreto-Lei 197/99, de 8 de Junho, quando, como defendemos, seja exigida uma habilitação profissional específica aos concorrentes, a maioria dos membros do júri deve possuir as mesmas habilitações ou habilitações equivalentes, devendo, sempre que possível, um deles ser indicado pela respectiva associação pública).
Considera ainda este Conselho Directivo, em respeito ao princípio da estabilidade consagrado no art.º 14.º do diploma supra referido, que as falhas acima indicadas apenas são passíveis de saneamento por intermédio da anulação deste procedimento e do lançamento de novo procedimento de concurso.
O Conselho Directivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos manifesta total disponibilidade para prestar aos membros da OA os esclarecimentos suplementares considerados necessários.
O Conselho Directivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos
Porto, 1 de Agosto de 2006
- Governo quer fundir freguesias do Centro Histórico do Porto
- Novo mercado do Anjo
- Cinema Águia d'Ouro à venda por três milhões de euros (ver história e não só no Cinemas do Porto e a foto da entrada tirada por mim há pouco tempo.)
Relativamente ao último postal do António Alves. Ele não diz nenhuma asneira relativamente ao que se passa em Espanha.
Em Portugal porém, todas as linhas possuem travessas para Bitola Larga, mesmo na actual (lenta) renovação da Linha do Norte as travessas têm furações únicas para via larga (1668 mm). Não possuindo furação dupla bi-bitola.
Como hoje em dia não se usam travessas de madeira, não é possível adaptar as existentes para a bitola europeia, pelo que a passagem de uma via de bitola 1668 mm para 1435 mm só pode ser feita retirando as travessas actuais, o que implica retirar e recolocar novamente o balastro (as pedrinhas onde se apoiam as travessas). No fundo estamos a falar de uma linha inteiramente nova!
Quando foi projectada a renovação da Linha do Norte foi proposta a utilização de travesas bi-bitola, mas tal não foi aceite. Desconheço a razão, mas não me surpreenderia que alguém quis poupar tostões numa obra de milhões.
[Nota: estes apontamentos vêm a propósito de duas notícias sobre a baixa: uma no Público (Local Porto) de outra n'O Primeiro de Janeiro. Ambas datadas de 31 de Julho. Creio eu]
1. A SRU está a ponderar a hipótese de demolir os pequenos quarteirões na Trindade, junto do Palácio dos Correios. As justificações avançadas parecem-me razoáveis. Contudo, confesso que fico um pouco apreensivo: É que a demolição, ainda por cima de quarteirões inteiros, deve ser o último recurso. Estarão esgotadas todas as outras possibilidades?
2. Os quarteirões em causa, assim à primeira vista, não aparentam um grau de degradação física superior a outros que a SRU se propõe a reabilitar em vez de demolir, o que demonstra o quão excêntrica é esta proposta quando comparada com uma prática de intervenção, já mais ou menos sistematizada, tendo por referência os quarteirões-piloto: recuperação dos quarteirões, respeitando a sua especificidade arquitectónica e aproveitando as potencialidades dos logradouros. Em contrapartida, o que é bem visível é a degradação social, exposta pela prática da prostituição. Mas para resolver este problema, será o camartelo o instrumento mais eficaz?
3. A SRU tem aqui um problema bicudo: o proprietário do edifício com maior presença no quarteirão não esperou por ninguém e iniciou ele próprio obras de reabilitação do seu imóvel (ver foto). Decisão de louvar e um exemplo para todos os proprietários da baixa. Agora com que cara vai a cidade (porque a SRU deve ser o nosso "braço armado") dizer a este diligente proprietário que todo o seu trabalho e investimento será em vão porque aquilo tudo é para ir a baixo? Todos os recursos que temos – privados e públicos – são escassos e esta realidade devia exortar à planificação e à coordenação de esforços, caso contrário continuaremos a gastar muito para muito pouco.
(OBS: sobre este assunto não há muito por onde se fugir: ou a obra é clandestina ou a obra se encontra devidamente licenciada. Se a obra é clandestina, o embaraço para a Câmara é enorme porque afinal de contas esta decorre literalmente debaixo das suas barbas, podendo até a fiscalização ser feita a partir da janela de um gabinete qualquer. Se obra é legal, então existiu uma falha de comunicação).
4. Nisto de demolições na baixa já dava para uma grande exposição com sucesso garantido e que deixo aqui, à laia de sugestão, à SRU, à Câmara ou a quem tiver capacidade e vontade de se chegar à frente: O Porto Desaparecido – Uma Longa História de Demolições. Era só recolher informação iconográfica, cartográfica e escrita sobre a cidade demolida, juntar-lhe talvez alguns 3D e teríamos uma exposição interessante e pedagógica (não necessariamente apenas para os miúdos das escolas). Exemplos não faltam: Aliados (Bairro do Laranjal), Mouzinho da Silveira (Rio da Vila e margens), Praça do Infante, Estação de S. Bento (Mosteiro Avé Maria), Avenida da Ponte, Palácio de Cristal, Rua Álvares Cabral, etc. etc. A complementar esta exposição uma outra: O Porto Que Nunca Existiu – Uma Cidade de Papel. Esta seria feita a partir dos inumeráveis projectos para a cidade que durante séculos não saíram do papel. Qual seria o aspecto da cidade se todos os planos e projectos imaginados tivessem sido levados a cabo? Como seria o Porto com o Hospital de S. António construído segundo o projecto original? Se o plano das grandes avenidas tivesse saído do papel? Se os Aliados se tivessem prolongado por ali acima demolindo a Trindade? Se todas as pontes, túneis e teleféricos de Menezes tivessem sido levados a sério? Se todo o Bairro da Sé, numa febre racionalista, tivesse sido demolido (à imagem do que aconteceu à Alta da Coimbra)? Enfim, somos um pouco uma cidade feita à custa de demolições e projectos inacabados.
(OBS: Há muito que alimento esta ideia. Se alguém achar que a coisa tem pernas para andar, estou pronto para o que der e vier. O meu contacto está aí em baixo.)
5. Voltando ao assunto inicial. Uma das vantagens da demolição daqueles quarteirões seria a libertação de espaço que permitiria a criação de espaços verdes. Eu gosto de espaços verdes. Não sei se o custo compensará, mas isso teria qualquer coisa de justiça poética: depois de a Metro ter imposto uma Avenida dos Aliados lítica e depois de Souto Mouro num rasgo de preguiça (daquela espécie de preguiça que só é consentida aos génios) ter plantado uma eira granítica e árida na frente da Estação da Trindade, alguém começa a sentir falta de verde. Já era sem tempo! Mesmo assim, continuo a ter algumas reservas quanto à ideia da demolição...
6. Só espero que a demolição do parque de estacionamento da Trindade seja mesmo para ir em frente (cá entre nós: já ouvi dizer por aí que esta demolição faz, já há algum tempo, parte dos planos da Câmara...). Aquele mono faz-me cá uma espécie...
7. A propósito de estacionamento: a cidade tem aqui mais uma equação irresolúvel. Sabendo que a capacidade de atracção da Baixa junto da classe média/alta e em particular, junto das famílias, será tanto maior quanto maior for a sua capacidade de assegurar estacionamento, a SRU, com toda a lógica, tem vindo a estudar soluções em que se assegure o estacionamento para residentes no próprio quarteirão ou nas suas imediações. Essas soluções passam por protocolos com os estacionamentos já existentes, pelo aproveitamento do miolo dos quarteirões, pela construção de estacionamentos especialmente vocacionados para residentes sejam eles subterrâneos ou em altura, e pela reserva de lugares na rua. Cada situação pede uma solução apropriada. Todavia e sem prejuízo desta estratégia, parece-me necessário acautelar os seguintes aspectos: a) Quantos lugares de estacionamento residencial se pode criar, sem ultrapassar a capacidade de escoamento da rede viária existente? É muito importante estudar esta questão, não vá uma solução se transformar num problema ainda maior. Quanto a mim parece-me óbvio que os lugares de parqueamento de nada servirão se os utentes não conseguirem lá chegar (este problema poderá ser mitigado através de uma mudança nos horários praticados e dos ritmos da cidade, isto é, pela diversificação social e económica e, como é óbvio, pelo aperfeiçoamento da rede de transportes públicos); b) Temo que em algum momento se caia na tentação fácil de se sacrificar o interior dos quarteirões para se criar aí estacionamento, em vez de estes servirem de espaços verdes e de lazer de uso comunitário (trata-se, de resto, de uma questão já por mim levantada aquando da discussão pública do Masterplan – Contrato de Cidade).
8. A recuperação da ideia lançada nos anos 90 (aquando da elaboração do estudo Flores/Mouzinho para o ProCom) de se ligar através da rede de Eléctrico a parte alta da Baixa à parte baixa da Baixa, via Mouzinho da Silveira, é uma boa notícia. Devemo-nos congratular sempre que o bom senso marca pontos, mas (há sempre um "mas") ao passar hoje pela Praça Almeida Garrett e pelo remate que se está a fazer a norte das ruas Mouzinho da Silveira/Flores no contexto da requalificação da Avenida da Ponte, não pude deixar de reparar que os carris não estão ser instalados! Voltamos à questão da escassez dos recursos disponíveis e da obrigação que a cidade tem de se organizar de modo a retirar o máximo proveito desses recursos. A refazer eternamente obras, qual Sísifo, é que não vamos lá.
David Afonso
attalaia@gmail.com
- Relatório de Actividades (ficheiro Word)
- Aliados
Já que estamos na Silly Season e nos falta assunto, falemos de comboios. Pelo menos deste assunto eu percebo e corro pouco risco de dizer asneiras. Luís Bonifácio tem razão quanto à impossibilidade de colocar TGV's a percorrer linhas de metro. No entanto, algumas das suas afirmações não estão correctas. A mudança de bitola é mesmo uma necessidade absoluta e devia até ser elevada a desígnio nacional, sob pena de ficarmos ferroviariamente isolados neste canto da península. Os espanhóis, ao contrário do que Luís Bonifácio afirma, já há muito que começaram a migração para a bitola europeia. O seu plano ferroviário, em plena execução, tem mesmo como um dos seus principais objectivos a mudança de bitola.
Os mais atentos a estas coisas sabem que os nossos vizinhos não chamam rede de alta velocidade à rede ferroviária cuja construção já iniciaram: chamam-lhe rede de altas prestações - conceito que inclui linhas de alta velocidade pura, linhas de velocidade elevada (200/250 km/h) para tráfego misto e outras linhas modernizadas. Neste momento possuem cerca de mil quilómetros já construídos em bitola europeia e todas as linhas novas ou renovadas, mesmo que construídas em bitola ibérica, são equipadas com travessas de dupla furação aptas a uma fácil mudança de distância entre carris. Basta desapertar os carris e apertá-los na outra furação para assim obter a mudança de bitola. Obviamente que isso implica também a mudança simultânea de todos os aparelhos de mudança de via (vulgo agulhas). Toda esta operação poderá ser feita, se bem programada, na totalidade do país, em apenas 24 horas. A mudança de bitola não implica, de modo nenhum, uma via completamente nova.
Quanto ao material circulante: para o mais moderno, cujo gabarit (1) já é o da UIC para vias de 1435 mm (e.g. os comboios pendulares), basta uma simples mudança de bogies (2). O material mais antigo, mesmo com gabarit compatível, talvez não valha o investimento, será melhor deixá-lo chegar ao seu fim de vida útil e depois efectuar a mudança de bitola já com material novo. Infelizmente, em Portugal, continuam a renovar-se vias sem se instalarem travessas bi-bitola. Só agora se começa a abordar este assunto. Não é por falta de aviso dos técnicos que tal operação não se faz, mas por pura ignorância dos políticos.
A ligação em velocidade elevada (mais do que suficiente para as nossas distâncias) do Grande Porto à Galiza é uma obra urgente. Não nos devemos distrair e deixar enganar. Devemos manter toda a pressão possível para que seja construída o mais rapidamente possível. Uma outra linha, infelizmente bastante esquecida, é a Linha do Douro. Esta linha, se houver vontade política e empenho da região, poderá vir a tornar-se um excelente vector de desenvolvimento para a Área Metropolitana do Porto, para a Região do Douro e também para todo o Norte. Se for integralmente renovada, electrificada e retomada a sua ligação a Espanha, facultando-nos uma ligação a Salamanca. No sentido contrário liga esta importante região interior de Espanha ao mar.
Em Salamanca está em construção um grande porto seco. Uma infra-estrutura logística que beneficiaria muito com uma ligação mais directa ao Atlântico. Se a ligação transfronteiriça fosse retomada e um grande cais de trasfega de contentores fosse construído na margem do Douro, em Foz Côa, Salamanca ficaria apenas a 150 km do mar. O Douro e o Porto de Leixões podem ser a porta de saída marítima para toda aquela região. O turismo também é um sector que muito lucraria com a reabertura deste canal ferroviário internacional. Nos dois extremos desta linha existem duas cidades cujos centros históricos são património mundial da UNESCO: Porto e Salamanca. A região por ele atravessado, o Douro vinhateiro, património mundial também é. De património mundial a património mundial atravessando património mundial. Haja visão!
Estranho, desde sempre, o completo mutismo da Associação Comercial do Porto em relação ao abandono a que está votada a Linha do Douro. Estranho também que se tenha deixado enganar com a promessa da Linha Aveiro-Salamanca, quando tem aqui uma já pronta, cujo nascimento muito a ela se deve, pois foi fruto da burguesia oitocentista portuense. A Linha do Douro liga Leixões ao coração de Espanha e daí à Europa. Devido ao seu traçado nunca permitirá velocidades muito elevadas. Mas a grande velocidade não é factor de grande peso no transporte de contentores pesados: a fiabilidade, pontualidade e baixo custo são mais importantes.
Em Espinho, com o enterramento da via, estão a consumir-se mais recursos do que aqueles que seriam necessários para renovar a Linha do Douro de Caíde de Rei à Barca D'Alva. A falta que um governo regional nos faz!
Boas Férias para quem já está de férias! :)
António Alves
1 - volume máximo dum veículo ferroviário.
2 - chassis que suporta um conjunto de rodados.
Sugestão de leitura
Post: Fábula sizenta do Lobo e da Avozinha (por Paulo Ventura Araújo)
Blog: Dias com Árvores
Lembro-me que há uns tempos dizia-se que ligaríamos Porto a Valença por «bitola Ibérica», que na Galiza a linha estava a ser feita com travessas polivalentes, que possibilitavam uma posterior actualização para a dita «bitola europeia». Mas nesta área não sei defender os interesses da cidade, fico a ler a discussão dos mais aptos, de qualquer forma acho que devemos criar recursos que nos garantam sempre uma alternativa ao transporte que estamos a utilizar, seja ele qual for...
Entretanto e como estou a ensacar coisas que durante um ano não dei pela sua existência, acabando até por as comprar de novo, lembrei-me de como a nossa memória tem cada vez menos capacidade de retenção e como essa falha nos leva a desprezar aquilo que já esta resolvido.
Há 2/3 anos atrás tínhamos um edifício envidraçado pelo qual tínhamos pago uns 4 milhões de euros, fechado por razões de segurança, hoje sabemos que vai ser utilizado e vai abrir portas em Novembro.
Tínhamos gasto 36 milhões de euros e mantínhamos os buracos e os taipais em Carlos Alberto, Carregal, Ceuta, hoje as coisas estão mais planas, é certo que continuamos com ruas renovadas em intervalos de 6 em 6 metros, mas está melhor.
Tínhamos um Palácio restaurado por 10 milhões de euros, para supostamente servir a AMP, há dias chateámo-nos porque a AMP alugou um espaço e o Palácio vai ser uma importante pousada.
Tínhamos o Batalha reabilitado com dádivas de mecenas num total de 200 mil euritos, a D. Laura que recebeu uma indemnização de 5 milhões e criou a Comércio Vivo investiu mais 1 milhão e o Batalha está a funcionar.
Tínhamos a Praça de Lisboa construída com 1 milhãozito de euros deserta e sem expectativas, agora sabemos que a SRU vai ajudar a FAP a reabilitá-la.
Tínhamos no fundo investido perto de 51 milhões de euros em expectativas constantemente perdidas. Mas que diferença fez o dinheiro, a mudança ou a solução? Já ninguém se lembra.
É tipo as pranchas, compramos uma cada ano, conforme as que vemos usar por esse mar fora, chegamo-nos a esquecer que já temos uma prancha daquele tipo e no fim de que vale tantas pranchas se não conseguimos aprender a equilibrarmo-nos em nenhuma.
E o mesmo se aplica aos colchões de praia que na maioria das vezes acumulamos sem chegar a desensacar, tipo aquela Casa do Cinema que seria para o Sr. Manoel de Oliveira, custou uns míseros 1,5 milhões de euritos...
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Cristina Santos
Quando é que avança o projecto da Refer / Invesfer para a Estação de S. Bento?
A questão colocada por José Silva é pertinente, mas a mudança de Bitola é muito mais complicada do que à primeira vista parece ser.
Os estudos iniciais dos Caminhos de Ferro em Portugal apontavam para a bitola europeia (1435 mm). Estes estudos tiveram que ser alterados pois os Espanhóis optaram pela bitola alargada (1668 mm) devido a terem medo de hipotéticas invasões Francesas via Caminho de Ferro. Actualmente este tipo de bitola é usado na Península Ibérica, Rússia e Brasil e provavelmente noutros países que desconheço.
Existem várias dificuldades em alterar a bitola.
A primeira é o seu custo, pois implica uma linha 100% nova e alterações em todo o material circulante.
A segunda é que a alteração da bitola só pode ser feita se a Espanha alterar também, e Espanha não o vai fazer pelo motivo do custo e...
Porque tal faria com que os Portos Portugueses entrassem em competição com o Porto de Barcelona, que possui ligação a França em Bitola Europeia, graças a isso e a um esquema de funcionamento que roça a ilegalidade*, dá muito dinheiro a ganhar a muito "buena" gente. É por este motivo que Espanha não quer ouvir falar em linha de TGV de mercadorias Sines-França (Via Salamanca) e por isso a nossa ligação TGV tem paragem em Madrid (E talvez implique mudança de estação para ir para Paris).
Caro José, a questão de mudar a bitola para que o metro possa circular na linha de Leixões é completamente descabida, pois está a esquecer-se da alimentação eléctrica! Existem vários sistemas de alimentação eléctrica:
- Corrente Contínua
750 V - Usado pelo metro do Porto e por quase todos os sistemas eléctricos citadinos e algumas linhas de comboio.
1500 V - O primeiro a ser desenvolvido (início séc. XX) para comboios eléctricos e usado em Espanha com excepção das linhas de Alta Velocidade. Em Portugal é usado na Linha de Cascais (1925).
O sistema alimentado a corrente contínua é bom para pequenos sistemas, mas desde os anos 60 altamente ineficiente em longas distâncias.
- Corrente Alterna
25 000 V/50 HZ - Desenvolvido na Suiça no início dos anos 50 e adoptado na electrificação da CP em meados dos anos 50. Uma excelente aposta dado que apenas 10 anos mais tarde esta nova tecnologia se tornou mais eficiente que a de alimentação por corrente continua. As linhas de TGV utilizam este sistema de alimentação eléctrica.
Assim sendo não podem circular comboios eléctricos e metro na mesma linha, pois possuem diferentes tipos de alimentação eléctrica E nenhum comboio pode usar a linha do metro do Porto, caso contrário a linha afundaria devido ao excesso de peso, para já não falar em questões de segurança relacionadas com a velocidade de operação/distância de paragem de um comboio pesado/metro ligeiro. E não faz sentido que um comboio de alta velocidade circule as últimas dezenas de Km a passo de caracol. O Conceito de Comboio de Alta Velocidade é: a Alta Velocidade (> 200 Km/h) do centro de uma cidade ao centro de outra cidade. Só assim consegue competir com o avião (o seu objectivo primário).
O mesmo se coloca relativamente a Portugal/Espanha. A alimentação eléctrica em Espanha (1500 V DC) é distinta da Portuguesa (25 000 V AC) pelo que uma máquina eléctrica da CP não pode operar em Espanha e vice-versa. Os sistemas de sinalização são diferentes em Portugal e Espanha e em quase todos países da Europa.
Em suma não há livre circulação de comboios (nem de cargas ferroviárias) na União europeia.
*- o Porto de Barcelona por exemplo, impõe a utilização de uma e uma só empresa de transportes aos transitários (regra não escrita). Há dois anos atrás um transitário Português enviou 2 camiões de uma empresa Portuguesa buscar uma carga que tinha sido desviada para Barcelona. Um dos camiões ainda conseguiu andar 100 m dentro das instalações do Porto antes de ser incendiado. O segundo fez meia volta e abandonou as instalações debaixo de tiros. Como é natural nestes casos em Espanha, o inquérito policial nada apurou.
Luís Bonifácio