2006-05-21

De: TAF - "De volta..."

Submetido por taf em Sábado, 2006-05-27 18:46

A Baixa do Porto teve desde ontem de manhã alguns problemas originados por um "upgrade" que não correu da melhor maneira feito pela empresa que alberga o servidor. Após algum trabalho conjunto meu e do suporte técnico, o caso está agora supostamente resolvido. Já publiquei também os dois posts que estavam pendentes. Bom resto de fim de semana!

Caros participantes, e, em especial, caro Pedro Aroso

No seguimento do meu último post, bem como dos post’s de outros participantes dedicados à Arquitectura e aos Arquitectos, venho acrescentar mais algumas reflexões minhas sobre este assunto, sempre, claro, na expectativa de poder oferecer um contributo para os deliciosos e elucidativos debates que neste blogue se fazem.

Em relação ao post de Pedro Aroso (e peço desde já ajuda aos participantes com formação jurídica, se os houver, para me corrigirem no caso de eu estar em erro), as deliberações emanadas pelos órgãos municipais não podem ser contrárias à lei emanada pelo Governo (neste caso o Decreto n.º 73/73, de 28.02), pois se o forem, tais deliberações desrespeitarão o princípio constitucional a que estão sujeitas, o princípio da legalidade. Esta característica, ou seja, a submissão da Administração Pública ao Direito, segundo me parece, constitui inclusive uma das características essenciais dos actuais Estados de Direito.

Quanto às outras formas encontradas por alguns órgãos municipais para tentar a “revogação”, ao nível do município, de tal Decreto, como por exemplo a inclusão de normas que atribuem a exclusividade da Arquitectura para os Arquitectos (além da estabelecida no Decreto-Lei n.º 205/88, de 16.06, já por mim referenciado) em regulamentos municipais (como são considerados, pela doutrina jurídica, os planos urbanísticos), pelo que parece também não é possível. A comprovar esta afirmação estão, como também referenciei no meu último post, as várias e sucessivas normas previstas por alguns municípios em planos urbanísticos que não obtiveram ratificação do Governo por não se conformarem com a lei, neste caso o Decreto n.º 73/73.

Ou seja, a revogação do Decreto em causa passa impreterivelmente pela acção do Governo que, na ausência de interesse dos seus elementos, necessitou de uma acção de cidadania – a petição pública – para se sensibilizar sobre o tema. Aliás, se tal acção do Governo não fosse imprescindível, e se existissem outros mecanismos alternativos para a revogação do diploma, penso que o próprio autor (o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral) da proposta de lei apresentada ao Parlamento na petição popular teria alertado os incitadores de tal petição de que a mesma não seria assim necessária.

Paula Morais
Arquitecta

De: F. Rocha Antunes - "Trindade multiplex"

Submetido por taf em Sexta, 2006-05-26 23:35

Meus Caros,

Percebo a importância que os arquitectos dão à revogação do 73/73 e é evidente que concordo que a arquitectura deve ser um exclusivo dos arquitectos. Dito isto, também convém dizer que há muita coisa feita por arquitectos que é má, e que ser feito por arquitectos não garante por si só que seja bom. E se o dever de arquitectura de que o Alexandre fala é muito importante, o dever de abertura que o exclusivo implica ainda deve ser mais realçado. Os arquitectos têm que perceber que, sendo intervenientes essenciais do processo de criação de cidade, não são os únicos.

Há um exemplo magnífico na Baixa do que isso quer dizer, o novo edifício da Metro na Trindade. Penso que todos concordam que é um terreno chave da ligação entre a zona da Trindade e a zona de Gonçalo Cristóvão. Com a sua extensão, localização e diferença de cotas permitia, uma vez concluído o processo de instalação dos dois canais do metro, ser bem mais do que a sede de uma empresa de transportes.

Eu sempre achei que naquele espaço se deveria ter instalado o Corte Inglês, mas pelos vistos a ideia não era exequível. Nunca percebi porque, uma vez que de certeza que a cadeia espanhola não se importava nada de esperar mais uns meses e ficar em cima do único cruzamento de linhas de metro e no coração da área metropolitana. Não acredito que tenha sido por medo de discutir o assunto com o autor do projecto já existente. Nem por preferir que fosse a sede da Metro em vez de um activo que, fazendo todo o sentido ser localizado naquele lugar, pudesse pagar bem pelo mesmo espaço.

Agora que se perdeu essa oportunidade, embora na altura ela tivesse sido referida, pelo menos por mim, mas seguramente por muitas outras pessoas, convinha pensar noutra utilização que seja mais útil à cidade que os escritórios da Metro.

A minha sugestão é que seja aproveitado o espaço para desenhar, com calma e qualidade, um enorme multiplex de cinemas. O mercado dos operadores de cinema não está a atravessar o melhor momento, mas esse momento mau é a parte debaixo de um ciclo de negócio que vai recuperar e que dá tempo para preparar um projecto decente, aberto e participado que permita à cidade dotar o seu centro do multiplex de cinemas que esteve para ir para Santa Catarina e que afinal não vai, e que não foi para Gaia para onde acabou por ir parar o Corte Inglês.

A esse multiplex de cinemas podem ser associados os espaços de lazer e restauração adequados ao equilíbrio financeiro da operação. Aproveitava-se a enorme centralidade e a capacidade que o espaço tem de absorver volumes levados como são sempre as salas de cinema. E como até parece que não vale muito, senão não tinham feito, de certeza, apenas os escritórios da Metro, podia estar em condições de ser atraente para os investidores nessa área.

Até aposto que o autor do projecto actual não veria com maus olhos esta evolução. Mas isso aqui estou a especular sem rede :-)

Francisco Rocha Antunes
Promotor imobiliário

De: TAF - "Para lembrar"

Submetido por taf em Quinta, 2006-05-25 19:54

Duas notas rápidas para lembrar que:

De: Alexandre Burmester - "73 / 73"

Submetido por taf em Quinta, 2006-05-25 19:33

O famoso Decreto 73/73 que foi sendo constantemente protelado, em defesa de classes profissionais menos competentes, mas com mais peso político; e que foi preciso vir através de um pedido recorrendo a milhares de cidadãos apresentar à Assembleia da Republica a exigência de mudança da lei, é uma aberração.

Mas agora até parece que ao invés da Arquitectura ser um direito, passou a ser uma obrigação.

Os profissionais que se dedicam a desenhar o espaço (publico e privado) que todos vivemos são por excelência os Arquitectos. Não é preciso explicar muito para perceber que a falta do direito de exercício desta profissão tem alguns resultados bem à vista de todos:

  • - As cidades cresceram desmesuradamente, cheias de erros e com falta de Planeamento;
  • - As más construções e o péssimo espaço em que vivemos é a paisagem que nos sobra;
  • - Os Arquitectos e as suas escolas viraram-se para discursos herméticos e distanciaram-se de uma política de serviço.

Este último argumento dá direito que algumas vozes reclamem da ditadura da Arquitectura, e não deixam de ter razão. Todos os nossos espaços poderão ter o desenho dos Arquitectos mas destinam-se a pessoas.

A mudança da Lei também vai implicar numa mudança na mentalidade profissional dos Arquitectos para saber adaptar-se às novas exigências. Afinal se a Arquitectura é e será sempre uma Arte, também é e será sempre Ciência e Técnica. O facto de estarem durante anos renegados do direito de exercer fez com que profissionais e escolas façam e ensinem Arquitectura só para certas franjas da sociedade. E assim como devemos reclamar os nossos direitos de exercer, também temos de dar aos outros os seus direitos.

Alexandre Burmester

De: Nuno Quental - "Debate"

Submetido por taf em Quinta, 2006-05-25 13:00

QUE URBANISMO PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS?
Sexta-feira 26 de Maio às 21:30, na Casa da Cultura de Paranhos
(largo do Campo Lindo junto à PSP)

Intervenientes iniciais:

  • Dr. Lino Ferreira,Vereador do Urbanismo da CMP
  • Prof.ª Dra Júlia Lourenço, Eng. Civil, UM (Planeamento Urbano),
  • Prof. Dr. A. Jacinto Rodrigues, Faculdade de Arquitectura da UP

Caro Pedro

Totalmente de acordo contigo. Eu seria mais radical na reforma do 73/73 - todo e qualquer projecto em Portugal deve ter a assinatura de um arquitecto. Agora, é capaz de ser como dizes...

Relativamente a Urbanismo e Planeamento Urbano há a necessidade de preservar a multidisciplinaridade sem a qual será um desastre. Vejamos o caso do Porto. Temos assistido a uma verdadeira "Feira de Vaidades". Desde a Capital da Cultura, temos duas cidades: os espaços intervencionados e o resto. E cada intervenção tem a sua razão. Um exemplo: porque é que os passeios novos do Marquês são diferentes dos novos passeios dos Aliados!!!!
Porra, deêm-me então os antigos passeios de cimento.
Ainda não percebi porque é que não se estabelecem uniformidades do tipo da das placas da toponímia... Será que a tensão transmitida por um peão dos Aliados é diferente da do peão do Marquês???

Um abraço
Paulo Espinha

De: Pedro Lessa - "Exclusividade não, um dever e um direito"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-24 23:24

Começo por saudar a arq. Paula Morais pelos contributos dados aqui no blog, cujo teor a maior parte das vezes me cativam a atenção pelo seu interesse e qualidade. De facto, gostaria também de dar o meu contributo como Paula Morais tem feito, mas por vezes o tempo voa e torna-se impossível fazê-lo.

Quanto ao tema do seu último post, várias vezes já aqui o tenho referido como uma das grandes deformações na nossa sociedade, claramente em prejuízo do bem estar geral e do desenvolvimento urbano. Legitimamente, a opinião pública já clama pela responsabilização dos arquitectos no mau urbanismo e respectivo edificado, não sabe é que 95% do que se vai fazendo não é feito por arquitectos.

Tenho esperanças também que depois deste problema legal ultrapassado, se resolva a questão da relação dos arquitectos (e só pode ser resolvido através da Ordem) com a prática da actividade em todas as suas vertentes, seja burocrática (na relação com entidades) seja no contacto com o cliente (p.ex. na aplicação de tabelas de honorários). Por variadas vezes já aqui indiquei o exemplo espanhol, onde todo o processo é coordenado pela Ordem do princípio ao fim. Inicia-se logo no controle de honorários, para evitar situações de descontos em claro prejuizo da qualidade do projecto (já me sucedeu trabalhar no interior do país onde após apresentar a nota de honorários me dizerem que era elevada e seria habitual o projecto custar apenas 10% do que estava a apresentar) até à análise regulamentar do processo para futura entrega na Câmara.

Enquanto todos os intervenientes no processo urbanístico não se mentalizarem que as Câmaras Municipais apenas devem ter como competência aprovar processos, todo o processo se arrastará eternamente assim como toda a série de "tentações" decorrentes. As Câmaras deveriam apenas e só aprovar os processos e não analisá-los. Imaginem só a quantidade de pressões, intromissões e tomadas de posições se evitariam sobre quem realmente analisa tecnicamente um processo. Um regulamento é um regulamento para um técnico, não há como se desviar dele.

Considero também que este problema é sintomático de todo o funcionamento da nossa sociedade e sua administração pública. Em vez de se simplificar só se complica procedimentos, por vezes parecendo que a intenção real é fomentar compadrios e corrupção. A ver vamos se o Simplex não descamba em Complex.

Para terminar, e ainda em relação ao anteriormente exposto no que concerne à nossa sociedade e principalmente à postura cívica dos portugueses e sua civilidade, não resisto também a invocar Pessoa em O Infante,

Quem te sagrou criou-te português
Do mar e nós em ti nos deu sinal
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal

Cumprimentos,
Pedro Lessa
pedrolessa@a2mais.com

De: Pedro Aroso - "Alterar o 73/73 para continuar tudo na mesma"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-24 23:18

Paula Morais:

Embora não te conheça pessoalmente, tenho lido com muito interesse as tuas intervenções neste blog, pelo que aproveito a oportunidade para te felicitar pelo entusiasmo (às vezes um pouco ingénuo) com que abordas as questões ligadas à Arquitectura e ao Urbanismo.

A propósito do teu post com o título "A exclusividade da Arquitectura para os Arquitectos e a situação na cidade do Porto", gostava de relembrar o seguinte:

1. No tempo em que o Eng. Nuno Abecassis era Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Executivo aprovou uma deliberação impondo que todos os projectos de Arquitectura fossem obrigatoriamente elaborados por arquitectos. Essa decisão ainda está em vigor.

2. Na mesma altura, por iniciativa do Arq. Vasco Morais Soares, então deputado Municipal na Câmara do Porto, foi aprovada uma deliberação idêntica, imediatamente contestada pela Secção Regional dos Engenheiros. O Dr. Fernando Cabral, então presidente da Câmara do Porto, cedeu à pressão dos engenheiros e tudo voltou a ficar como dantes.

3. Há tempos sugeri aqui na "Baixa" que o Dr. Rui Rio seguisse o exemplo de Lisboa. É óbvio que não fez caso nenhum.

Eu não tenho ilusões a respeito desta questão... Com petição, ou sem petição, vai continuar tudo na mesma, porque as alterações ao 73/73 vão ser apenas cosméticas.

Pedro Aroso

De: Rui Valente - "Eureka!"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-24 23:08

Estamos sempre a aprender. Agora, fiquei a saber pelo Sr. Bonifácio, que foi graças a pessoas como eu que o Porto chegou ao marasmo em que está. Muito profunda a conclusão.

Não imagino como, nem por quê, mas que não foi por ter vínculos com qualquer partido político, isso posso garantir que não foi. Então, por que terá sido?
Por dizer evidências algo incómodas, entre as quais se destaca o factual centralismo lisboeta, que a meu ver, continua a ser o nosso maior cancro económico e social?

De mim, parece já saber tudo, mas senhor Bonifácio, vamos lá, faça sair os coelhos da cartola e diga-me o que tem feito o senhor de interessante para o desenvolvimento regional do país e com que recursos?

Não quero palavras, porque essa, é a única matéria-prima gratuita de que até hoje ainda vamos podendo dispor para dizer algumas coisas, mas suponho não ser a isso que se refere quando fala em marasmo. Portanto, mostre-me a diferença, se faz favor e diga-me onde está reflectida a sua acção concreta em prol da cidade do Porto, que suponho ser também a sua.

Diz-me, que em França, Inglaterra e nos países nórdicos, a macrocefalia das respectivas capitais subjuga o resto do país. Não estará porventura, a exagerar?

Sabe que eu não me importava nada de ser "subjugado" como fazem nos países nórdicos mas de ter o seu altíssimo nível de vida e principalmente, a sua dimensão cívica? Acredite, que também não me incomodava nada viver num país com regiões autónomas, como é o caso da Espanha, onde cada uma delas, entre outras vantagens, pode usufruir de meios de comunicação social poderosos, como televisões e rádios locais e dessa forma também dar voz às suas gentes e aos seus problemas?

O senhor Bonifácio considera que esse pequeno detalhe, chamado autonomia, não os ajudou a desenvolver-se? Ou achará que a Espanha, com todos os seus problemas étnicos e culturais, já não estaria desintegrada enquanto nação se não soubesse abrir os olhos atempadamente e fazer o que fez? Não acha que o modo como um pequeno país como Portugal tem sido gerido ao longo dos anos é exactamente o oposto do exemplo espanhol, faccioso e fraccionário?

Nunca tivemos problemas de autonomia como em Espanha, mas desde de Abril de 74, em lugar de evitarem focos de tensão, os nossos governantes andaram cega e estupidamente a fazer tudo para os germinar. É inteligente isto? É delapidando os recursos regionais que se contribui para a coesão nacional? É recordar Trás-os-Montes e Alto Douro para localizar centrais nucleares e esquecê-los quando se trata de ali instalar hospitais, escolas, estradas, etc., etc.? Estará o senhor à espera que nos tornemos numa América Latina para, enfim, se aperceber da nossa real situação?

Estarei a sonhar? O senhor, diz que o Porto está muito melhor que Lisboa, em que aspecto, é capaz de especificar? Será economicamente? Para não irmos mais longe, é bom ficarmos mesmo por aqui: não será esse o lado mais sério do problema?

Para terminar e descodificar de vez essa história já gasta e rançosa do choradinho, gostava de saber a razão pela qual, quando o Arqº. Pulido Valente apelou à mobilização no caso das obras dos Aliados quase todos fizeram ouvidos de mercador. Afinal, quem se fica pelo lamento cómodo do sofá?

Se insistir bater na tecla da autoflagelação, incluindo-me no rol dos masoquistas locais, no qual não me revejo, voltarei a repudiar essa colagem mal intencionada e, desde já, deixo-lhe a sugestão para se virar para destinatários mais "esclarecidos" como: Belmiro de Azevedo, Joaquim Oliveira, H. Amorim, etc.

Estes e outros como eles, é que devem saber das razões que os levaram a criar e comprar (entre outras) agências de notícias, jornais e televisões, algumas sedeadas no Porto, mas quase todas dirigidas a partir de Lisboa. Será a estas pessoas que se refere quando diz que só nos podemos queixar de nós próprios? Então, por favor, preste-me justiça e tire-me já desse filme.

Rui Valente

Nota 1: A força cívica e política de um país não se avalia apenas pelos pareceres dos arquitectos mas pelo parecer de todos os cidadãos.

Nota 2: Dalida, embora egípcia, tinha de facto pai italiano e era uma cidadã francesa. A esse propósito (que muito apreciei), deixo-lhe aqui um conselho: quando lhe perguntarem a naturalidade para fazer a reserva de um simples quarto de hotel, não se esqueça de entregar ao recepcionista a sua árvore genealógica. Aprecio o rigôr, mas não precisa exagerar.
Nota 3: Pelo andar da carruagem talvez estejamos todos enganados. O Porto e alguns bloguistas como o Sr. Bonifácio, afinal estão bem.

Caros participantes,

Como cidadã-arquitecta que sou (pois é sempre nessa condição que actuo perante a comunidade), não poderia de modo algum ficar indiferente à notícia da semana passada de ter sido aprovada pelo Parlamento aquela que é, em Portugal, a primeira iniciativa legislativa de cidadãos (ou a primeira lei proposta através do mecanismo previsto na Constituição que é a petição popular). Tal iniciativa, para aqueles que ainda não tenham conhecimento, foi promovida pela Ordem dos Arquitectos, e, reunindo as assinaturas de 35 000 cidadãos, prevê a revogação (parcial) de um antigo Decreto cujas marcas na Arquitectura nacional se fazem sentir desde há três décadas atrás.

De facto, nos anos 70 do último século, enquanto em alguns países do mundo, como por exemplo em França e em Singapura, se declarava a Arquitectura como uma actividade de interesse público, com todos os proveitos públicos que daí advêm, em Portugal fazia-se exactamente o oposto, limitando-se a actuação dos Arquitectos, retirando-lhes através de um diploma supostamente “temporário” devido ao pouco número de profissionais existente na época proporcionalmente ao território nacional – Portugal, as ex-colónias de África, Timor-Leste e Macau – (Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro) a exclusividade pela elaboração dos projectos de arquitectura. Foi então tendo esta realidade como contexto que foi efectuado nos anos 80, pelo Conselho Superior de Obras Públicas, um elucidativo inquérito às autorias dos projectos de arquitectura referentes ao período compreendido entre 1974 e 1984, com os seguintes resultados para um conjunto de 66 626 projectos:

Arquitectos = 4,1%
Engenheiros civis = 30%
Engenheiros técnicos de civil e minas = 45,9%
Construtores civis = 13,9%
Outros = 6,1%

Perante este cenário, e manifestando sérias preocupações relativas ao património construído nacional, que mostrava a cada vez maior falta de rigor e qualidade dos técnicos autores dos projectos, decidiu então o Governo, em 1988, através do Decreto-Lei 205/88, de 16 de Junho, que se tornava evidente e necessária a revogação do Decreto vigente, mostrando-se ainda urgente “acautelar”, pelo menos, “o património monumental do país”. Tal Decreto-Lei devolveu então aos Arquitectos a exclusiva responsabilidade de subscrever os projectos de arquitectura de obras de recuperação, conservação, adaptação ou alteração dos bens imóveis classificados ou em vias de classificação e das respectivas zonas especiais de protecção. E é assim, este, o regime que ainda vigora em Portugal, como aliás comprovam as várias normas incluídas em alguns instrumentos de planeamento municipal que não foram ratificadas pelo Governo precisamente por não se coadunarem com o Decreto n.º 73/73 (cfr. por ex. o Plano de Urbanização do Cadaval e Adão Lobo, no município do Cadaval, de 2004; o Plano de Pormenor para a Área Envolvente ao Cemitério de Vilar do Paraíso, no município de Vila Nova de Gaia, também de 2004; ou o Plano de Pormenor do Parque Urbano do Rio Diz, no município da Guarda, de 2005).

Mas porque este é um blogue dedicado ao Porto, e também um pouco como acção sensibilizadora, dirigida a quem se dá ao trabalho de ler o que aqui escrevo, para um tema que entendo não dizer respeito única e exclusivamente aos Arquitectos, mas aos cidadãos urbanos em geral, fiz então uma pequena análise circunscrita a esta cidade relativamente aos imóveis nos quais existe actualmente exclusividade da Arquitectura atribuída aos Arquitectos, aliás profissionais esses que hoje em dia são cerca de 14 000 residentes em Portugal, mais os que, ao abrigo do Título III do Tratado que institui a Comunidade Europeia, exercem livremente a sua actividade no espaço da União Europeia. Assim, consultei então a informação disponibilizada ao público em matéria de imóveis classificados como património arquitectónico de interesse cultural localizados no Porto, ou seja, o PDM e o Sistema de Informação do IPPAR, e eis o resultado:

- Plano Director Municipal do Porto_Câmara Municipal do Porto (CMP)

(cuja revisão foi publicada através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, publicada no Diário da República – I Série-B, N.º 25, de 3 de Fevereiro de 2006)

18 imóveis classificados como Monumentos Nacionais (MN)
245 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Público (IIP)
27 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Municipal (IIM)
126 imóveis em vias de classificação

Nota: Apesar de o Anexo I ao Regulamento do PDM incluir um total de 1341 imóveis identificados como “de interesse patrimonial”, apenas é atribuída a exclusividade dos projectos de arquitectura aos Arquitectos nos imóveis classificados como MN, IIP e IIM (bem como os que estão em vias de classificação) pelo IPPAR, ou seja, nos termos do referido anexo ao PDM, um total de 416 imóveis (e respectivas zonas de protecção).

- Sistema de Informação do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR)

(consultado através do website do IPPAR em 24.05.2006)

18 imóveis classificados como Monumentos Nacionais (MN)
58 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Público (IIP)
18 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Municipal (IIM)
59 imóveis em vias de classificação
Centro Histórico do Porto, classificado como bem cultural património mundial

Nota: Ou seja, um total de 153 imóveis, e respectivas zonas de protecção, bem como a área do Centro Histórico.

Já agora, e para quem quiser apreciar a qualidade arquitectónica de alguns espaços edificados que por cá se implantaram durante o século XX, da autoria de Arquitectos, recomendo uma visita ao IAPXX – Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal, cujo principal objectivo é “Conhecer e dar a conhecer uma arquitectura muitas vezes ignorada e mal amada”.

Paula Morais
Arquitecta

De: Luís Bonifácio - "Lamentações não levam a lado nenhum"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-24 10:19

Tenho vindo a acompanhar as intervenções de Rui Valente, com um certo espanto, pois verifico que foi graças a pessoas como ele, que o Porto chegou a um marasmo tal, que só agora, e mais lentamente do que seria desejável, se começa a libertar. Fala em agir, mas ao mesmo tempo não faz nada, pois é sempre bastante confortável atirar as culpas para o "poder central Lisboeta".

Ainda me lembro muito bem do marasmo cultural do Porto nos anos 80, onde os concertos da Orquestra Sinfónica do Porto não tinham mais de 50 pessoas a assistir, onde só havia uma companhia teatral a actuar quase sem subsídios, pois estes últimos iam para outra companhia que não levava nada à cena e onde os filmes de autor estreavam passado um ano de o terem sido em..... Braga! Uma vez por ano havia um sopro de ar chamado Fantasporto e pouco mais.

É certo que a macrocefalia de Lisboa é um obstáculo, mas é uma macrocefalia muito menor que em França, Inglaterra, paises nórdicos, onde o peso da capital subjuga o resto do país. O poder central de Lisboa não é nada comparado com o centralismo madrileno do tempo de Franco. E quais eram as regiões mais desenvolvidas de Espanha quando o ditador morreu? Madrid? Não! As regiões mais desenvolvidas eram justamente aquelas que mais foram espezinhadas pelo regime. Como conseguiram isso? Certamente não foi dando largas a "complexos de Calimero".

Hoje em dia o Porto está muito diferente e para melhor. Está muito melhor que Lisboa, mas ainda falta muita coisa, sobretudo aproveitar os equipamentos com que foi dotado recentemente. Para isso é preciso puxar pela cabeça, arranjar novas ideias, arregaçar as mangas e trabalhar muito e as lamentações não levam a lado nenhum.

NOTA 1: Conhecendo os "Nuestros Hermanos" como conheço, digo que se o arquitecto fosse espanhol, as árvores já estavam no chão.
NOTA 2: Dalida era Egípcia (Miss Egipto 1954), filha de pai Italiano e naturalizou-se Francesa nos anos 60. O seu primeiro exito chamava-se Madonna e era a versão francesa de o "Barco Negro" de Amália Rodrigues.

De: Rui Valente - "Filosofias pré-revolucionárias"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 20:40

Cara Cristina Santos

Lembra-se de uma cançonetista franco-italiana chamada Dalida? Talvez seja demasiado jovem e não saiba, mas ela tinha uma canção que dizia assim: parole, parole, parole. É assim que me soam as suas teorias.

Olhe Cristina, se isso puder ser útil à filosofia pré-revolucionária que está a amealhar para depois actuar, aconselho-a a olhar mais para o que não se faz cá dentro e a deixar os espanhóis olharem pela vida deles. Fazem muito bem. Nós devíamos fazer o mesmo, mas não somos capazes. Paroles, solo paroles...

Estou tão preocupado com o que o governo faz pela minha região, como o governo central de Lisboa está inquieto com o domínio crescente de Madrid! Entenderá as semelhanças? Anda lá perto, só que comparativamente, a nossa condição de portuenses é bem pior.

O concreto de todas as filosofias resume-se a uma palavra: ACÇÃO!

Sabem muito bem elogiar a forma como os madrilenos estão a reagir à obra de Siza Vieira, mas não há coragem nem dinâmica para fazer como eles. Sabe porquê? Porque estamos demasiado acomodados às nossas filosofias de café e nos recusamos a passar a fronteira do preconceito.

O que devia ser prioritário neste momento era precisamente agir. É isso que a Associação de Municípios do Douro Superior resolveu fazer agora (e bem) para evitar que o governo central lisboeta lhes dê de presente uma Central Nuclear!

O município do Porto está caladinho ao bom estilo deste fantástico autarca que a Cristina tão sabiamente admira. Continue assim.

Rui Valente

De: Cristina Santos - "Não resisto ao Rui Valente"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 18:20

Caro Rui Valente

O amigo está permanentemente a reclamar da falta de acção e excesso de filosofia, mas a acção só vem depois de encontrada a devida filosofia, a revolução só por si não soluciona os problemas.

Este amontoado de opiniões que aqui se lançam diariamente um dia servirão para encontrar resoluções menos prejudiciais. Ao ler sensibilizamo-nos para várias problemáticas, que são tidas em linha de conta conforme o grau de importância que representam para cada cidadão, mas que contribuem para a acção final, nem que essa acção seja apenas decidir sobre um programa eleitoral que nos apresentam.

Estamos a tentar fazer um exercício público, muito do aqui é publicado já é do conhecimento dos intervenientes públicos, de alguns civis, mas o que se pretende é divulgar, informar, para que numa eventual mudança as pessoas se socorram de vários pontos de vista, para tirar as suas ilações finais.

Ou o amigo quer uma revolução de desinformados?

Cada um contribui com os seus pensamentos, saber, ideias e não pode ser acusado de inoperante, porque se muitos dos que sabem, têm conhecimento, preparação e hipótese de saber mais, partilharem com aqueles que não dispõem dessas possibilidades, ficaremos todos mais capacitados para decidir e preconizar uma revolução se não formos atendidos no nosso interesse comum.

Como é possível fazer uma revolução se não existir informação, contacto, troca de opiniões, será que a revolução nasce assim da revolta pessoal de cada um, vamos todos para a Rua sem objectivo, dirigidos por duas ou três palavras de ordem que soam bem ao nosso espírito?! – isso é bom é para os sindicatos e para causar desilusões.

O Rui continua com a sua acção que será tida em linha de conta no momento devido, até lá não nos chame inoperantes, porque a sua ideia não resulta sem um bom trabalho de fundo.

Já o imortal Vítor Hugo dizia que «As revoluções, como os vulcões, têm os seus dias de chamas e os seus anos de fumaça».

M. cumprimentos
Cristina Santos

(e não me atire com o naif senão vai entender o verdadeiro termo de uma revolução sem plano estratégico)

De: Rui Valente - "Indignação"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 17:25

A esta não resisto. Como podemos espantar-nos com a atenção que os nossos vizinhos espanhóis nos dedicam, e não reparamos no desprezo a que andamos a ser votados pelos nossos próprios compatriotas do poder central lisboeta?

Não esperem que me junte ao clube daqueles que passam o tempo a dizer que a culpa pela nossa situação é apenas nossa. Pelo menos minha, não é.

Rui Valente

- Conselho da Europa pede explicações à Espanha, pela não recepção na Galiza das TVs e rádios portuguesas

"Quanto à Galiza, as conclusões apresentadas pelo organismo europeu ficam nitidamente claras relativamente ao pouco respeito que as autoridades espanholas têm pelos direitos linguísticos e culturais dos cidadãos galego-lusófonos da Galiza, ficando ao descoberto a obstrução que o Estado espanhol faz a respeito do relacionamento linguístico e cultural entre a Galiza e Portugal."

De: Rui Valente - "Manifestações não, bandeirinhas Sim!"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 14:44

Caros Rio Fernandes e David Afonso

Obviamente que concordo e me solidarizo convosco mas, mesmo assim, tenham cuidado, porque é capaz de haver entre os portuenses quem "sinta" as vossas críticas como choradinho bairrista ou lamentações de muros (não de mouros, claro)...

Bem vistas as coisas, até acabo por lhes dar alguma razão. É que toda a pertinência crítica será vã, se não desencadear um movimento de protesto à altura do nosso orgulho tripeiro. Se não formos capazes de ir para a rua, será (desculpem-me a grosseria) uma espécie de masturbação "interruptus"... ou a prova final do nosso inócuo sentido de cidadania.

Ah, e não se esqueçam de pendurar a bandeirinha nacional nas vossas janelas. Scolari e Lisboa apelam ao vosso mais elevado sentido de portugalidade. Agora, façam o favor de obedecer se não querem passar por anti-patriotas. Vejam lá. Que lindo que vai ser! Eu já tenho a minha casa forrada com a bandeira nacional!
Viva Lisboa! Desculpem (queria dizer) Portugal.

Rui Valente

De: JA Rio Fernandes - "Mouzinho"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 09:29

A propósito das obras na Mouzinho da Silveira, gostava de dizer que andei por lá ontem e posso confirmar que as mesmas estão em curso.

Não conheço o projecto, mas conheço muito bem o de 99 (fui coordenador do projecto de urbanismo comercial) e acho lamentável que não se tivesse aproveitado o estudo prévio do Arq. Rui Mealha que fazia parte do projecto. Também acho lamentável que se dê prioridade a Mouzinho relativamente à magnífica Rua das Flores e fico sem palavras no caso de não estar considerado o percurso do eléctrico entre o Infante e S. Bento. Desgostosamente rendido ao cinzentismo das ideias para a nossa cidade, não quero acreditar que cometam o disparate de não pensar no transporte por carril do Infante a S. Bento.

Rio Fernandes

De: David Afonso - "Aliados, Flores e Mouzinho"

Submetido por taf em Terça, 2006-05-23 00:41

1. Ao consultar a Acção Administrativa Especial da Campo Aberto, APRIL e GAIA contra o IPPAR, o Ministério do Ambiente, o Município do Porto e a Metro do Porto deparei, no ponto 52, com um facto que desconhecia e que me deixou indignado: o estudo elaborado por Álvaro Siza para a Avenida dos Aliados era «constituído por uma curta memória justificativa (não mais do que uma página), por uma planta de apresentação e algumas fotografias de várias praças de diferentes países»! Como é possível? Às vezes dou por mim a pensar se não seria mais urgente exigir o dever da arquitectura em vez de exigir o direito à arquitectura. Que diabo! Estamos a falar da principal praça da segunda cidade do país! Um pouco mais de consideração, p.f.f.!

2. Quem parece não estar com meias medidas são os nossos amigos espanhóis e parece que estão dispostos a tudo em defesa do Passeio do Prado. Apesar de Espanha ter entrado no clube da democracia depois de Portugal, aprendeu depressa e já nos dá lições: o alcaide de Madrid, sob pressão da opinião pública, propôs a abertura de um período de discussão pública extraordinário de modo a escutar e a debater a opinião de todos e não fez a coisa por menos: mais seis meses! Por cá, o alcaide prefere importar modas espanholas mais antigas, tipo caudilhistas. Mas de um caudilhismo que bebeu na fonte de Pilatos.

3. Por falar nestas coisas: um dia destes estava no Café Guarany e cometi a indiscrição de escutar a conversa do lado (coisas que acontecem, que querem?) e o que ouvi, a ser verdade, é preocupante. Segundo, parece as ruas Mouzinho da Silveira e das Flores vão sofrer o mesmo tratamento dos Aliados, ou seja, vão ser revestidas com o mesmo granito chinês e na linha de design dos Aliados. Alguém sabe me dizer se isto tem algum fundo de verdade?

4. E por falar em Flores/Mouzinho: achei a proposta de Rocha Antunes excelente, mas... que pena é que não se reaproveite o projecto elaborado em finais dos anos 90 para a área Mouzinho/Flores que contemplava uma ligação de Eléctrico entre o Infante e os Aliados! Estes estudo propunha a ligação entre a parte baixa e a parte alta do centro histórico através destas artérias. Pessoalmente, tenho algumas dúvidas sobre a possibilidade de o Eléctrico usar a rua das Flores (até por causa da configuração nada favorável do Largo de S. Domingos), mas não vejo dificuldade alguma quanto à Mouzinho da Silveira. Será que este estudo ficou esquecido e enterrado? Será que é nossa sina andar a pagar estudos sobre estudos sem que ninguém os leve a sério (ou que pelo menos os leia?).

David Afonso
Dolo Eventual
--
Nota de TAF: quanto ao ponto 3, é bem provável que haja um fundo de verdade. Segundo me disse Souto Moura, a ideia seria ter uma solução estética contínua desde o viaduto de Gonçalo Cristóvão (por causa do metro na Trindade) até Gaia. Pelo menos em frente à Estação de S. Bento e na Avenida de Ponte...

De: Paulo Espinha - "A Cidade é, A Cidade está..."

Submetido por taf em Segunda, 2006-05-22 14:59

Ou a Síndrome da Intervenção Urbana...

Gerir uma cidade é complexo. Construir uma estratégia para a cidade não é fácil.

A multiplicidade dos intervenientes, o jogo conflituante de interesses, o desequilíbrio entre o que a cidade oferece e potencia e as exigências dos cidadãos, a alavancagem tanto dos mais desfavorecidos como das actividades mais dinâmicas, os pequenos grandes prazeres dos lugares, a preservação dos arquétipos e das memórias colectivas e individuais, etc, etc, etc.

A tradição mais anglo-saxónica do Norte da Europa, por múltiplas razões entre as quais se releva a adversidade climática e até quiçá uma outra profundidade cultural e filosófica, passa por uma intervenção urbana mais colectiva. Isto é, equipas sem nomes conhecidos da opinião pública nacional e internacional, ainda que conhecidas localmente, fazem um trabalho quotidiano multidisciplinar persistente, com resultados que são visíveis a olho-nu e subtilmente perceptíveis em análises de maior profundidade muito positivos. Com actualidade realizam diariamente aquilo que em teoria se classifica de planeamento como processo ou marginalista. Não sem haver uma estratégia bem definida de suporte.

Em contrapartida, a tradição mediterrânea alicerça planos e planos, zonamentos e zonamentos que depois mete na gaveta, adultera, etc. As equipas municipais vêm aterrar verdadeiros gurus da urbanidade e do desenho urbano que, pontualmente, ditam as suas leis, pois supostamente eles é que sabem o que é melhor para a cidade... Normalmente isto gera polémica, pois os cidadãos não vêem o que os gurus vêem e, “estranhamente”, dá-se um desencontro entre ordens dos primeiros e vontades dos segundos.

E se, em cima disto, juntarmos as vontades dos edis, a falta de estatísticas sustentadas e credíveis e a pouca formação académica e cívica de muitos dos agentes (ou, nalguns casos, o excessivo peso delas), então a mistura pode ser explosiva.

Contudo, sobre a polis, é fundamental a responsabilidade dos políticos e dos técnicos, sejam verdadeiros urbanistas, arquitectos, designers, engenheiros, sociólogos, economistas, promotores e mediadores imobiliários, etc, e os cidadãos em geral. Todos, em conjunto são responsáveis.

A minha pergunta é esta: como é que se consegue o justo equilíbrio entre a acção colectiva e a vontade de protagonismo de alguns destes agentes? Quem é que algures disse – “falem mal de mim, mas falem...” Ah, e logo a seguir aparecem os acólitos de um e de outro lado, da defesa e da crítica, que, normalmente, não fazem mais que defender os seus próprios interesses... Quando um guru diz que está preparado para a polémica, o que é que isto nos diz, vos diz... Onde está a nossa cultura colectiva? Onde está o equilíbrio entre gurus e equipas? Não quero com isto dizer que não devamos ter respeito pelos gurus. A questão não é essa.

Dois Casos Emblemáticos

- O caso OS ALIADOS.

  • - Em primeiro lugar, a doença crónica - para todo e qualquer edil, intervir na “praça” é uma permanente tentação. Em toda e qualquer aldeia, vila e cidade deste país e quiçá do mundo, todos querem deixar a sua marca. E que melhor para o fazer que na praça central, na praça maior. A ideia em si não é má. Cada lugar, independentemente da sua dimensão, deve ter uma praça. A praça deve estar arranjada, bem tratada e desempenhar o seu papel central. O problema está em que em muitos casos, as intervenções sucedem-se a uma velocidade verdadeiramente vertiginosa. Já se fizeram contas aos milhões de euros gastos em todo o país em sucessivas remodelações da praças centrais das nossas aldeias, vilas e cidades?
  • - Em segundo lugar, o apoio crónico - a culpa será só deles? Nós técnicos não temos culpa? Os técnicos, os gurus, quais divas de coisa alguma, não querem também deixar as suas marcas, pelo seu próprio interesse, em muitos casos contrário ao sentir da maioria?
  • - Em terceiro lugar, o desperdício crónico – não está mais que provada a não necessidade da estação de metro e, com isso, a não necessidade das obras e por aí fora?
  • - Em quarto lugar, o crónico implementar de ideias inacabadas ou mal acabadas – não se poderia ter aproveitado o fecho do tabuleiro superior da Ponte Luís I aos automóveis para eliminar os fluxos longitudinais da praça – será que ninguém percebeu isso? Será que ninguém percebeu que, já que se está a intervir e a gastar dinheiro, se estava perante um momento de transformação radical que propiciaria uma verdadeira alavancagem de um novo paradigma de mobilidade na baixa? Ah, porque assim a Baixa deixaria de funcionar, diria Laura Rodrigues... Pergunta: e agora funciona e antes funcionava?
  • - Em quinto lugar, a reação crónica – o povo não reage? O que se passou em Madrid responde a esta pergunta, mesmo que tenham sido as elites a alavancar o movimento. Parece que se quer agora inaugurar a “nova” praça no próximo S.João. Enganaram-se – a “nova” praça foi desvirginada pelos adeptos portistas num destes passados fins-de-semana, quando dos festejos pela vitória do FCP no campeonato, mesmo em estado de desconstrucção. Ah traição, vida madrasta...
  • - E em último lugar, o dejá vu crónico – não fica a impressão que tudo mudou para que tudo fique na mesma? Melhorou-se efectivamente a amenidade do lugar, num quadro de dinamização das diversas actividades? Pois é, a praça é, a praça está e duma coisa tenho a certeza, é que vai sobreviver às facadas que lhe vão fazendo... Aliás, como disse alguém algures – primeiro estranha-se, depois entranha-se...

- O exemplo NOVA PONTE PEDONAL
Existe um novo projecto para a ponte de peões entre o cais de Gaia e a Ribeira. O programa base não é mau – uma ponte que ligue as duas margens a cota baixa, relativamente distante do tabuleiro inferior da Luís I. Em termos formais, discordo em absoluto da solução. Tecnicamente não é inovadora. Já agora, ainda agora, foi acabada uma ponte similar (inovadora em termos de vocabulário) sobre o canal de S.Roque em Aveiro, projecto do Arq. Luís Viegas e do Eng. Domingos Moreira. Mas aquilo que verdadeiramente me deixa preocupado é a intromissão visual que a ponte vai exercer sobre todo o campo visual da Ribeira que se tem a partir de Gaia. Vamos passar a olhar para esta nova ponte? Novamente, guru assina por baixo a sua integração paisagística. Mas deixem estar – “primeiro estranha-se, depois entranha-se...”
Verdadeiramente inovador seria um vão lançado com pilares à Edgar Cardoso (outro guru com bons e maus momentos, mas que no que concerne a pilares era o mestre), com cotas em torno das cotas dos dois encontros. Um vão flat, simples, arrojado, que interferisse o menos possível no vocabulário e imaginário herdado do Alvão e das fotos do Carlos Romão na sua Cidade Surpreendente.
Não quero com isto afirmar que sejamos obrigados a reproduzir o Bairro Alto ou a Graça, tal como preconizou um aprendiz de guru em páginas de um semanário há uns fins-de-semana atrás. Definitivamente, não é. Agora, em respeito aos arquétipos culturais e arquitectónicos deveria ser exigida uma maior contenção para estas novas futuras pré-existências em respeito para com as antigas pré-existências. Interessante ver a solução para o Centro Cultural Kunsthaus Graz em Graz, Áustria, dos arquitectos Peter Cook e Colin Fournier.

A estagnação dos processos de planeamento e ordenamento do território, em especial ao nível do pormenor, mantendo as mesmas regras de “traça primeiro e só então propicia discussão já enviesada”, não tem acompanhado a evolução do paradigma comunicacional e do potencial e cada vez maior vontade de participação dos cidadãos. Depois os gurus recebem um “BASTA YA”!

Paulo Espinha

1 - 20 / 21.
Seguinte › Fim »