De: Carlos Manta Oliveira - "Financiamento para imóvel degradado na Sé"

Submetido por taf em Quinta, 2009-02-05 14:59

Em resposta a José Oliveira Martins, que pede partilha de experiências, envio-lhe a minha.

Conforme TAF já explicou a única solução realista é mesmo ter capitais próprios. Todas as outras levam a imbróglios do tipo Catch-21 ou "pescadinha do rabo na boca" como se diz em português. A minha experiência reporta-se a um projecto da dimensão que Cristina Santos fala (200 a 300 mil euros), por outras palavras estou a residir em Gaia e gostava muito de morar no Porto, pelo que desde 2004 procuro soluções e alternativas, com frequentes visitas a imobiliárias e à Porto Vivo.

Voltando ao tópico do financiamento, é quase impossível. Com a lista de protocolos da Porto Vivo percorri os diversos balcões e os diversos contactos lá mencionados. O protocolo consiste na maioria deles apenas na isenção da comissão de dossiê (que não é mau), que é o mesmo que as imobiliárias também garantem (em alguns bancos). O problema é para edifícios em ruínas sem condições de habitabilidade, que são precisamente os mais interessantes para remodelação. Nesses casos muitos bancos não oferecem sequer crédito para a aquisição. O argumento é simples, o crédito à habitação exige até um seguro multi-riscos. É tecnicamente impossível constituir um seguro destes para um edifício não habitável. Por outro lado qualquer avaliação a um prédio em ruínas (e passei por três) atribui o valor da avaliação igual ao valor do terreno (ou praticamente). Face a esta avaliação os bancos recuam ainda mais e alguns respondem que simplesmente não financiam aquisições de terrenos, outros sugerem créditos específicos que vão geralmente até 50% do valor, com prazo máximo de 2 ou 3 anos, com carência de capital. Ou seja, fica-se a pagar juros por dois anos, sem amortizar, e no final desse prazo é preciso constituir um crédito construção (que exige licença de construção por parte da CMP, neste caso).

Bem sei que a Porto Vivo dá indicação de resposta em 6 meses a pedidos de licenciamento, e a isso só é preciso somar o tempo de elaboração do projecto de arquitectura e especialidades. Contudo basta qualquer imprevisto, como um atraso numa resposta do IPPAR, um pedido de correcção, uma falha na documentação e os prazos começam a ficar muito arriscados. Isto claro, no caso de ter disponível os tais 50% do valor do terreno. Não tenho a certeza, mas tinha a ideia de que apenas os proprietários podem submeter pedidos de licenciamento à construção, enquanto interessados podem no máximo fazer pedidos de informação prévia.

Achei interessante a proposta de Cristina Santos de acordar com o proprietário um pagamento faseado, com uma percentagem na aquisição, e outra após o licenciamento e início do financiamento. É no entanto muito complexa na prática. Desde logo por encontrar o prédio desejado em que o proprietário anua a tal acordo. A maioria dos que vi estão em fase de partilhas, pertencem aos vários irmãos, e estes querem é que alguém compre para dividirem a herança. Por outro lado, o pagamento ou aquisição exige a celebração de escritura, e esta tem de inscrever um montante para apuramento dos imposto. Tal acordo complica aqui este apuramento dos valores. Por fim, o financiamento também não simplifica, o crédito de construção funciona por tranches. Há uma tranche inicial que se destina à liquidação do crédito do terreno (os tais 50%), e início das obras. As tranches seguintes são libertas só após pedido de avaliação do estado das obras, e em proporção ao avanço das mesmas. Por outras palavras sem o capital próprio fica muito complicado, até porque os projectos de arquitectura implicam uma despesa também.

A conclusão da minha experiência é a de que não existem produtos financeiros adequados à aquisição de edifícios em ruína e sua recuperação. A banca não está interessada em assumir esse risco, muito menos agora. A única alternativa é mesmo dispor de capital próprio.

Cumprimentos,
Carlos Oliveira
--
Nota de TAF: escrevi há tempos um texto sobre este assunto - "Os bancos e a reabilitação urbana". Com a recente necessidade de reduzir a "alavancagem de crédito" (ou seja, a relação crédito concedido / valor dos depósitos) por parte dos bancos, a solução não passará por eles, mas sim por acordos com financiadores privados detentores de capital próprio suficiente. Essas pessoas/entidades existem (em Portugal e no estrangeiro). O que é preciso juntar oferta e procura, estabelecer parcerias. É aí que eu eventualmente posso dar uma pequena contribuição, servir de catalisador.