De: TAF - "Os bancos e a reabilitação urbana"
Ontem estive numa conferência promovida pelo Millennium BCP na Alfândega a ouvir Daniel Bessa queixar-se da crise e das dificuldades que o país enfrenta. Fiquei com a sensação de que a preocupação com a macroeconomia fez esquecer um pouco aquilo que está ao alcance da microeconomia... Passo a exemplificar.
Uma área que não é bem coberta pelo sistema financeiro português é a da Reabilitação Urbana. Refiro-me, sublinhe-se, a investimentos de risco relativamente baixo, não a "capital de risco" que é algo bem diferente. Por que é que a recuperação do centro das cidades avança a ritmo tão lento, havendo procura de espaços sem que o mercado responda com a oferta adequada? Um dos problemas é a lei da rendas, já se sabe. Mas nem é o principal. Mais grave que isso, a meu ver, é que na prática continua a não aparecer capital para investir, apesar de em teoria haver muito para aplicar. Qual é o fenómeno, então?
A reabilitação urbana é um negócio especializado. Envolve arquitectura, urbanismo, critérios de sustentabilidade social e ambiental, etc., etc. O agentes tradicionais não estão à vontade neste contexto, especialmente no que diz respeito à parte social. Assusta-os pegar no miolo da cidade, com gente lá dentro que tem que ser compreendida e respeitada, e fazer disso um negócio.
Para complicar a situação, o negócio de reabilitação é montado à medida que vai sendo implantado! Não é possível ter à partida um plano de negócios detalhado. Primeiro é preciso garantir a posse dos imóveis e só mais tarde, já depois de ter sido concretizada essa componente do investimento, será possível negociar uma solução entre todos os envolvidos: o promotor, o financiador, a autarquia, o IGESPAR, os habitantes dos espaços, ..., e ter os projectos aprovados nos prazos que se conhecem.
Verifica-se que quem sabe fazer isto geralmente não tem capital. Verifica-se também que quem tem capital não sabe fazer isto, mas também não se associa a quem sabe. O recurso seria normalmente a banca, encontrando soluções de financiamento que ultrapassassem esta dificuldade. Mas os bancos exigem sempre uma componente de capital próprio (ou garantias pessoais equivalentes) da ordem dos 20 ou 30% do investimento, e os promotores (os tais que possuem o know-how) não têm isso. Esperar-se-ia talvez que a hipoteca dos imóveis em causa (tantas vezes avaliados pelos próprios bancos em valores bem superiores ao capital necessário!) fosse uma protecção suficiente para os financiadores. Pelo que se vê, não é. Constata-se então o facto: o processo de reabilitação "encrava".
Em resumo, o que faz falta então? Fazem falta iniciativas de "project finance" de pequena dimensão (entre 1 e 10 milhões de euros) baseadas no curriculum dos promotores, na hipoteca dos imóveis a adquirir, e no envolvimento dos próprios bancos na montagem do negócio desde o seu início. A abordagem tradicional - preparar um business plan muito bonitinho (mas sem bases sólidas, neste caso) e entregá-lo ao banco para avaliar - não é apropriada. Dada a natureza específica do negócio, é preciso que o próprio banco seja um dos parceiros envolvidos na preparação da operação.
Há algum risco nisto? Claro, como em qualquer outro financiamento - o banco que proponha uma margem proporcional ao risco que corre. Mas, repito-me, nada que se compare com o verdadeiro "capital de risco" que não é papel dos bancos assegurar. Não trago aqui nenhuma novidade ao sistema financeiro: afinal é só aplicar para projectos de alguns milhões de euros os mesmos princípios que já são usados em project finance "a sério" da ordem das centenas de milhões de euros.