De: F. Rocha Antunes - "Investir na degradação III"

Submetido por taf em Quarta, 2008-10-08 19:38

Caro Manuel Leitão

Dizem os especialistas na matéria que há duas maneiras seguras de destruir uma cidade: uma é com um bombardeamento, a outra é com o congelamento das rendas. A Baixa do Porto (e de Lisboa) ainda hoje está a pagar os efeitos devastadores do congelamento das rendas, que moldou as expectativas e os comportamentos de milhares de senhorios e de inquilinos a uma realidade imutável, a de que as rendas uma vez contratadas eram para sempre! A única oportunidade que um senhorio tinha de negociar uma renda era no momento em que a contratava, e por isso a única coisa racional a fazer era esperar o que fosse preciso pela renda mais alta possível, porque daí para a frente o valor real da mesma era sempre a descer, porque o Estado sempre se encarregou de garantir que os factores de actualização anual de renda eram inferiores à inflação. Só quem nunca percebeu quais eram as regras impostas pelo Estado é que não fazia isto. Além disso, também compensava esperar porque os impostos eram muito baixos para os edifícios desocupados e portanto o custo da desocupação limitava-se à ausência de renda.

A alteração da Lei do Arrendamento é responsável pela manutenção da preferência pelo arrendamento para escritórios, já que veio liberalizar completamente os contratos para esse fim, enquanto que os contratos de arrendamento habitacional ainda apresentam, do ponto de vista do senhorio, muitos riscos não controláveis, o maior dos quais é o comportamento da nossa justiça quanto à eficácia real dos despejos por incumprimento do pagamento de renda.

Concordo consigo quando diz que não se entende como é que os senhorios não percebem que há milhares de imóveis que são propostos para escritórios e, como disse e bem a Cristina, basta perder uma manhã nas redondezas para se conseguir demonstrar que há mais umas dezenas de imóveis vazios há anos à espera dos mesmos miríficos inquilinos.

A alteração disto consegue-se por via fiscal. A alteração de base é a da actualização dos valores dos impostos correntes sobre os imóveis, neste caso o IMI, que é uma espécie de custo de condomínio municipal e que eram ridiculamente baixos até há pouco tempo. Os valores foram actualizados por critérios objectivos e todos os proprietários passaram a pagar bastante mais do que pagavam. O que tornou a espera indefinida pelo inquilino certo menos atraente. Mas a medida mais eficaz é complementar dessa e já está também em vigor no Porto: o aumento das taxas do IMI para os imóveis desocupados. A pressão combinada do aumento do valor base do imposto com o acréscimo por desocupação vai criar uma pressão importante para a colocação dos imóveis no mercado de arrendamento, e nessa altura sabemos que vão ter de arrendar para habitação porque há muito pouca procura para escritórios, e a que há pode ir ocupar edifícios melhor preparados para o efeito.

Por isso, vá tentando que pode ser que haja senhorios que percebam isto primeiro que outros.

Francisco Rocha Antunes
Gestor de Promoção Imobiliária

PS. Caros Tiago e Pedro, o que vocês dizem é que para fazer denúncias é essencial assegurar o anonimato. Embora não goste do género, concordo. Mas não era de denúncias que eu estava falar, era mesmo de discussão entre várias pessoas. Temos aqui no blogue um belo exemplo disso: todos lemos com gosto a opozine e o portoredux, que são colectivos que dinamizam aspectos diferentes da participação da cidadania, mas quem quiser saber quem são as pessoas elas não se escondem atrás de nada, está lá o nome deles. Não é a mesma coisa, discutirmos com quem assume a sua identidade e com quem se esconde. Eu não discuto com quem não assume, mas é uma opção minha, que a mais ninguém obriga.
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Nota de TAF: Caro Francisco, o que eu digo é que há quem prefira o anonimato, por várias razões. Concordando eu ou não com essa opção, acho que ela é aceitável nas condições que expliquei.