De: Paula Morais - "Ainda sobre a incompatibilidade"
Caro Tiago e demais participantes,
A alínea d) do artigo 46º do Estatuto da Ordem dos Arquitectos (EOA) menciona efectivamente que o exercício da arquitectura é incompatível com a função e actividade de "vereador de câmara municipal no âmbito do que a lei determine". Contudo, e ao contrário da opinião do Tiago, sou de opinião de que esta redacção é até uma forma bastante eficiente na eliminação de algumas dúvidas que possam ser suscitadas, como acontece com o Estatuto da Ordem dos Advogados (que não dispõe de uma norma como esta).
Ou seja, a minha leitura do EOA - pelo menos enquanto a alínea d) do artigo 46.º não foi alterada ou suprimida - é a de que a um arquitecto é sempre vedado o exercício da arquitectura em conjunto com o exercício da função de vereador na medida em que a lei geral, se existir (e actualmente existe, é o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos de Titulares de Altos Cargos Públicos), assim o determine; como a lei geral apenas se reporta à função de vereador a tempo inteiro, significa que a incompatibilidade mencionada no Estatuto da Ordem dos Arquitectos se reporta unicamente à função de vereador a tempo inteiro, e já não à de vereador a tempo parcial. A solução encontrada pela Ordem dos Arquitectos para a redacção desta alínea é, no meu entender, eficiente, na medida em que sendo a lei geral das incompatibilidades muito mutável ao longo dos vários tempos governativos, fica assim garantido que não há necessidade de estar sempre a introduzir alterações ao texto do EOA. Por exemplo, se um dia se eliminar de vez, na lei geral, o regime das incompatibilidades dos vereadores, aí sim, a alínea d) deixará de ser aplicável.
Sobre a transparência mencionada pelo Tiago e pelo Alexandre Burmester, refiro que também partilho da vossa opinião. As formas de publicidade dos actos praticados pelos órgãos dirigentes que estão previstas actualmente na lei (e refiro-me em particular à publicitação em edital e num jornal local) não são consentâneas com os tempos contemporâneos da era digital. Contudo, e uma vez mais ao contrário das vossas opiniões, penso que a publicidade dos actos praticados pelos órgãos de gestão, como único meio de controlo de ética e de imparcialidade por parte dos cidadãos, não é suficiente para que todo um sistema de gestão pública seja sustentado juridicamente. Sem pôr em causa os benefícios da publicidade (que são bastante superiores aos malefícios), no ponto extremo de ser só este o único mecanismo de controlo da ética, não seria assim possível o recurso aos tribunais e às demais entidades reguladoras de normas jurídicas, sendo deste modo praticado o que comummente se designa por "julgamento em praça pública". Penso aliás que este tipo de "julgamento", sendo a "forma de justiça" a ser evitada pelos sistemas de ordenamento jurídicos na maior parte dos países, esteve na origem da criação das normas legais e dos tribunais, bem como das entidades de regulação de determinadas actividades.
Por último, apesar de esta minha intervenção ir já longa, e para os participantes que ainda não tiverem a sua paciência esgotada, gostava ainda de lançar para o debate um outro tema relacionado com a incompatibilidade entre o exercício da arquitectura e, no caso, com a função de vereador. Do que foi sendo publicado, poderá parecer ao dito cidadão-comum, que a única actividade de um arquitecto é a de "fazer projectos", e que seria suficiente ao arquitecto que quisesse assumir a função de vereador (a tempo inteiro, já agora) num determinado município, comunicar ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal que iria deixar de elaborar projectos situados no respectivo município. Contudo, além de as actividades de um arquitecto não se esgotarem na elaboração de projectos e respectivos acompanhamento de obras (pois como referi na minha última intervenção, pode exercer várias outras actividades), há ainda outra questão: um vereador integrante do executivo municipal, entre outras tarefas, é também responsável pela aprovação de planos intermunicipais que possam ser elaborados com outros municípios (que não têm de ser unicamente os municípios vizinhos limítrofes); neste caso o arquitecto-vereador teria de dizer então que deixaria de exercer os actos próprios da profissão de arquitecto em todos os municípios do País; ainda sobre este tema, um município pode ainda celebrar acordos e protocolos internacionais, no âmbito das suas funções, com municípios congéneres de países estrangeiros; neste caso o arquitecto-vereador teria de dizer então que deixaria de exercer os actos próprios da profissão de arquitecto em todos países...