De: Alexandre Burmester - "Licenciamentos III, IV e outros..."
Na sequência de alguns posts anteriores relacionados com este tema, venho dar o meu contributo, que ultimamente tem andado relativamente afastado por razões de ordem profissional.
Vem isto a propósito da intenção do governo pretender desburocratizar procedimentos, e das Autarquias desenvolverem mecanismos de auxílio e de simplificação de processos, e porquê?
São inúmeros os investimentos que muitos grupos empresariais, e particularmente estrangeiros, pretendem fazer em diversas áreas e que se deparam com complicados processos de autorização e de licenciamento. Ora as Autarquias que andam, como famintas, à procura de investidores e de financiamentos, vêem aqui a única possibilidade no actual contexto de crise, como forma de poder arrecadar nas mais valias e nas suas taxas, alguma capacidade de sustentação; Além de que estes investimentos são os únicos que possibilitam a criação de empregos. Da mesma forma vê o governo as mesmas possibilidades para a ambicionada retoma económica quer das regiões como do próprio Estado que tanto publicita.
(Falo com o conhecimento de causa, por estar envolvido em diversos investimentos que ultrapassam os 200 milhões de euros.)
O que actualmente acontece é que os investidores, em face dos procedimentos administrativos complexos, pouco claros e demasiado morosos, percebem que os seus investimentos de médio prazo facilmente ultrapassam o bom senso e passam a longo prazo, ou pior, dadas as incertezas correm riscos que não pretendem e que, nestas circunstâncias, ou o projecto global acaba por se alterar, ou em alternativa obriga à sua desistência. Há um momento e um risco para um investimento e este não perdura ao longo do tempo indeterminadamente.
Imagine-se, o que nos acontece a nós como Projectistas ter que responder a um investidor estrangeiro, qual o tempo de licenciamento previsto; quais as entidades a consultar, e ainda quais as regras e a legislação a cumprir. Qualquer português sabe que estas respostas não podem ser precisas, e transformam o cenário de investimento num tempo e num processo nebuloso e na maior parte em situações verdadeiramente Kafkianas. O estrangeiro que ao contrário está habituado no seu país de origem a óbvios procedimentos de apoio, não pode entender esta situação.
Este problema pode ser colocado quer ao nível do particular, quando pretende fazer um pequeno investimento, e onde na maioria dos casos o “complicador de serviço” é a própria Autarquia, e coloca-se ao grande Empreendimento, quando não é a Autarquia o complicador, mas sim as entidades licenciadoras do Estado, e que chegam normalmente a mais de uma dezena.
Esta situação que de um modo geral resume um problema crucial no desenvolvimento regional e do país, tem muitos problemas e tantas mais soluções, mas tem simultaneamente algumas que são apontadas por todos, quando se juntam os intervenientes num processo destes e se lhes coloca esta questão. (Situação que já comprovei por diversas ocasiões). E as questões base são as seguintes:
- Conceito de Serviço público por parte das entidades administrativas, cuja velocidade e capacidade de resposta, é demasiado baixa;
- Irresponsabilidade das entidades e dos seus agentes nas informações que prestam, muitas vezes erradas e às quais não admitindo errar no processo, obrigam a alterações e a procedimentos que lhes permite apagar os próprios erros;
- Formas e procedimentos administrativos ainda assentes em técnicas de comunicação próprias do século passado. Não se aceitam meios informáticos nem nos documentos nem nas informações. Tudo é papel, tudo é assinaturas reconhecidas, tudo é correspondência tradicional. Nem um simples telefonema para pequenos esclarecimentos é normalmente aceite;
- Excesso de Leis e Regulamentos, antiquados, mal feitos, e ainda sobrepostos por todos os Ministérios. Constantemente a ser actualizados, mas sempre com péssimas redacções e em tão mau português escrito, que por conseguinte é sujeito a interpretações diversas consoante o funcionário. Todos sabemos que muitas das mesmas leis são aplicadas e interpretadas de diferentes formas de Norte a Sul do País, e até pelas delegações das mesmas entidades;
- Entendimento dos Regulamentos não como instrumentos orientadores, mas como “Cumprimentos” obrigatórios. Esta situação faz com que nas mais diversas situações se obrigue ao cumprimento das mesmas regras, quando na maioria das vezes não há qualquer possibilidade de aplicação. Nestes casos, o que acontece nos países civilizados é aceitar alternativas desde que cumpram o espírito da lei. Em Portugal apenas se exige que sejam cumpridos os regulamentos.
Estas medidas passarão sobretudo pela capacidade do Estado responder no “tempo” e na “forma” da sociedade civil, e não no seu de funcionalismo público;
Na eliminação de 90% das leis existentes, e pela sua substituição por outras que procurem estabelecer melhor os critérios e menos os procedimentos, que sejam bem escritas, que mantenham sustentabilidade e que possam criar jurisprudência;
Que o Estado promova a liberdade de informação dos processos tanto pela possibilidade da sua consulta como principalmente no envolvimento das populações;
Que a Administração pública assuma o papel de serviço ao cidadão, e não que seja prestadora de serviço a si própria, ou ainda pior, que é o que se passa, em serviço pessoal aos seus próprios funcionários. Menos Estado acima de tudo.
O Governo nas suas bem vindas 333 medidas de desburocratização, ou as Autarquias ao criarem gabinetes de apoio ao investimento, bem que estão a tentar promover alguma mudança a esta situação, mas que seja claro que não basta, e facilmente poderá transformar-se em poeira aos olhos dos cidadãos, como até em mais burocracia. Vai ser preciso mais e muito mais, e não devemos deixar de continuar a reclamar do Estado a implementação destas, e muitas mais medidas.
O contrário é sinónimo de continuarmos a lutar contra nós próprios. A falta de investimento é a falta de criação de riqueza, é a imobilidade, e o ficarmos cada vez mais pobres e atrasados. Confirmará o cada vez mais rápido caminho para o declínio, mas sosseguemos porque bem vistas as coisas essa é a outra via possível.
Alexandre Burmester