De: Pedro Figueiredo - "As árvores são uma coisa que não dá lucro"

Submetido por taf em Terça, 2011-02-01 20:07

Sim, é indignante o abate de árvores, quer à revelia dos projectistas, arquitectos ou não, quer a mando dos projectistas, arquitectos ou não. Se "as cidades também se abatem" (texto de José Castro), as árvores, mais do que tudo, são barbaramente abatidas sem dó nem piedade, em geral a mando de burocratas que "apenas cumprem ordens" ou de encarregados de obra a quem dá algum jeito abater aquela árvore "mal localizada" e "pode ser que ninguém repare"... Afinal, a obra não pode parar... Vem isto a propósito da selvajaria do abate de árvores recentemente concretizado na Escola do Cerco, conforme post anterior. Dou alguns exemplos, dois destes na minha ainda curta vida profissional.

1 – Certa e determinada vez em certo e determinado projecto estavam clara e inequivocamente marcadas na nossa planta de projecto (era no Porto) "Árvores Pré-existentes a conservar". Eram duas palmeiras enormes, e que já per se nos faziam o favor (de graça) de "marcar" o espaço, enobrecendo um percurso essencial à ideia do projecto. Mal começaram as obras de demolição iniciais, quando chegámos à obra, estava o encarregado a enaltecer aos arquitectos o bom andamento da obra, que agora já dava para passar "a máquina" pois já tinha sido "limpo" o terreno... Fiscalização, nada! Desenhos a Vermelhos e Amarelos, feitos de propósito... kaput! Restava um impecável monte de lenha profissionalmente amontoada e "sol" na obra. Percebíamos que faltava alguma coisa...as "malditas" árvores, que nunca estão onde as queremos...! As árvores não dão lucro, apenas dão muito trabalho e requerem muitos cuidados... Ninguém está para isso. Somos bárbaros.

2 – Noutra obra, em Matosinhos, o lote cumpria escrupulosamente (pelos mínimos obrigatórios, portanto...) os índices de área permeável... No projecto esta área era "verde". Em obra, por pressão da imobiliária, passou a gravilha (permeável portanto, mas "não é a mesma coisa"...) e mais contadores de gás, águas, etc. em cima do espaço "permeável"... E quanto ao espaço posterior também projectado como relvado para o condomínio... Quer a imobiliária quer a Câmara insistiram, insistiram e deram mil argumentos e pressões para que este pequeno e "miserável" espaço passasse a "betonilha"... Todos os argumentos eram válidos, mesmo os mais incríveis, que são inevitavelmente os que incidem sobre "a segurança", "as crianças" ou "a segurança das crianças" (os mais audazes). E lá está, uma maravilhosa betonilha. Os clientes, à medida que íam comprando, íam-se obviamente queixando, pois tinham ficado entusiasmados com o 3D que desenhámos com as nossas utópicas árvores, relvas, etc... Mas era "só para vender" afinal... Barbárie, portanto.

3 – Ainda a Avenida dos Aliados. Álvaro Siza retirou relva e arbustos e colocou árvores. (Estou a defendê-lo.) Menos mal. A praça ficou excessivamente mineral? Talvez. Ou melhor: Sim! Mas ninguém vê as árvores que Siza mandou colocar. E isto é injusto. Porque estas estão lá. E são muitas. (Na parte do lago.) Só que têm de crescer, claro, como qualquer árvore, já que estas não são "desenhadas pelos arquitectos e construidas na hora pelos trolhas em obra". As críticas a Siza pela Avenida dos Aliados ainda assim são injustas. Praça é praça e precisamos de uma praça europeia. Ou ainda se lembram de como é que se faziam as coisas na Avenida dos Aliados? S. João, 1º de Maio, concertos, ali entre os arbustos, por cima da relva pisada, tropeça aqui tropeça ali nos canteiros, lancil aqui, lancil acolá. Canteiros não fazem cidade. Mas... O que faria cidade seria mais do que esta praça talvez ainda assim demasiado mineral, um óptimo e generosa relvado corrido de cima a baixo da Avenida dos Aliados. Não exactamente uma "sucessão de canteiros". Uma coisa mais Britânica. (Desculpe J. P. Valente se as influências anglo-saxónicas não são muito de esquerda, eu sei...) Proponho para abrir logo o Green, um jogo "de bola" entre as equipas de Rui Rio e Menezes ou Orlando Soares Gaspar e Renato Sampaio. Assim uma coisa que não estragasse a cidade nem os cidadãos. E deixasse a Política para quem tem ideias novas e vontade real de transformar o Porto em algo decente.