De: Paulo Almeida - "Ilha e planos"

Submetido por taf em Quarta, 2010-12-15 22:38

Não querendo entrar em polémica com ninguém e se o TAF me permitir uma réplica ao Pedro Figueiredo (PF) e ao Daniel Rodrigues (DR) (e agora também ao Alexandre Burmester), gostaria de dizer, sem autoridade, que apesar da paixão com que escreve PF, não há como fugir à classificação política que tanto asco causa a DR, porque história não é estória; uma é verificável, outra nem por isso. O que também não quer dizer que uma não alimente a outra.

Sobre as “ilhas” (1864-1900), elas não caem do céu assim, há registos anteriores e são uma forma de ocupação da cidade que resulta do seu desenvolvimento. Os seus ocupantes não se limitam ao operariado e muitos dos seus habitantes até são proprietários e senhorios de casas em “ilhas”, dedicando-se ao pequeno comércio. (O número de 1300 “ilhas”, em 1939, também não é o mais correcto, em rigor, conforme as fontes possíveis, seriam 1301. Recomendo vivamente a leitura desta comunicação de 2010 do historiador Gaspar Martins Pereira.)

Curioso que a Faculdade de Arquitectura do Porto não se interesse pela fase de ocupação habitacional da cidade que figura entre as “ilhas” e o Plano de Melhoramentos, a fase das Casas Económicas (1935-1965). Certamente porque os arquitectos portugueses consideram (generalizando) estas casas uma manifestação de arquitectura vernácula (inspirada num “colaborador” do regime autoritário, Raul Lino, que apelava a uma mística tradicionalista, alegadamente nacionalista). O que é isto das Casas Económicas? O Governo e a Câmara compravam terrenos na periferia rural da cidade e entregavam as casas a famílias solventes / classe média (na verdade, as que podiam pagar as casas), tornando-se proprietários no fim do período de amortização. A propaganda do governo dizia que as casas eram para os operários, para as famílias pobres, mas a realidade demonstrou o contrário, tanto que os bairros económicos iam sendo construídos cada vez com mais qualidade e entregues aos apoiantes do regime (uma forma de controlar potenciais descontentamentos que o pusessem em causa). Disso são exemplo os bairros de Costa Cabral (1942) e Marechal Gomes da Costa (1950). [Sobre as casas económicas recomendo a minha modesta contribuição, aqui.]

É a fase seguinte, a do Plano de Melhoramentos (1956-1966, prolongada depois até 1974), que começa a esvaziar o centro do Porto. Este projecto foi claramente mal dirigido, não tendo em conta as pessoas. As casas económicas só aceitavam famílias nucleares e este plano foi pensado da mesma forma, ignorando que as famílias das “ilhas” e do centro histórico eram muito alargadas e diversificadas, dependentes das relações de vicinalidade. Muitas foram mesmo separadas, empobreceram, tornaram-se vulneráveis.

É evidente que há soluções alternativas para o centro histórico que não passem pela “ditadura dos mercados”, à entrega de quarteirões à banca e aos especuladores, previamente expropriados pela Câmara com dinheiros públicos. Mas não é isso que quer o poder político (e económico, pois claro!). O sinal foi dado pelo fim do SAAL, em 1976, que foi mesmo à bomba, não se esqueçam. E desde aí, paulatinamente, todo o espaço urbano do centro histórico vai sendo entregue à banca e à especulação, o que por si só afasta as famílias menos solventes (convém não esquecer que não há quase ninguém a morar na baixa). A SRU (que veio tomar o lugar do CRUARB, por pressão política/económica) fez um trabalho diminuto porque não houve nenhuma bolha imobiliária originada pela Unesco, como sonhavam os poderes nomeados.

Agora, a questão é outra. Mesmo havendo alternativas credíveis e sérias para o centro da cidade (escuso-me a dizer quais e quantas, enquanto há pessoas, há soluções), nem à bomba o poder político e económico se afasta do valioso espaço urbano central (e nem preciso de explicar por quê). E até à tão desejada renovação…, perdemos todos.

(Caro Alexandre Burmester, então só as famílias solventes é que devem ir para o Barredo, porque são as únicas que têm dinheiro para proceder à manutenção das casas? Então o SAAL, que acabou à bomba, não era isso mesmo? As famílias menos solventes a tomarem conta do processo de construção/reabilitação?)

Cumprimentos
Paulo Almeida