De: Alexandre Burmester - "Da Ilha ao Plano de Pioramentos"
Caro Pedro Figueiredo
Em qualquer acção urbanística é normal cometerem-se erros. Para poder acertar em processos complexos como é o caso da reabilitação do Porto, é preciso ter coragem para experimentar soluções, tomar decisões e por isso também é natural que se erre e venha a errar mais. O que é preciso mesmo é ter coragem e assumir os actos. O que mais me custa nestes processos é ver “medos” e muitas hesitações, que apenas agravam a actual situação.
Quer as “Ilhas”, como o SAAL ou o CRUARB, tiveram boas e más acções, sobre as quais não vou aqui dissertar, mas apenas dizer ainda bem que se extinguiram. Qualquer uma delas bem ou mal procurou responder às necessidades da altura. Bem diferentes são as de hoje. A SRU tem qualidades e defeitos, medos e hesitações, mas ainda bem que existe e que tem por objectivo a Reabilitação Urbana. O que não se pode é restringir tudo à velha luta de classes e às agruras do capitalismo, como sendo os males urbanos da cidade. São os mesmos males os Socialismos que contribuíram e de que maneira para a construção dessa coisa que se chama de bairros sociais, e que criaram tantos outros podres urbanos. A cidade é a casa de todos, pobres e ricos, novos e velhos, bonitos e feios, não pode ser apenas o lugar de uns, nem ser distribuída por sectores.
Infelizmente que a Reabilitação Urbana oficial que tem vindo a ser feita em grande parte ainda é fruto de algum conservadorismo, que se traduz nos famosos “T1”, “T2”, e outros ”Ts”, e tem por isso carecido de alguma imaginação e experimentação, embora também estes “Ts” terão de ter aqui lugar. O que sei é que se fizermos as contas económicas a este tipo de reabilitação o custo de venda do m2 anda exactamente nos 2.000 €/m2. Mas outras formas há e também têm surgido, se calhar mais pontuais e menos oficiais, que apontam para outros mercados. Entre eles destaco o do arrendamento que deverá atrair para o Centro muita gente de diversos escalões sociais. Mas há mais, muito mais e não tardará surgirão outras pessoas a trazer diferentes usos e a dar outras formas aos espaços. Disso é exemplo todos os centros históricos não só da Europa como noutros cantos do Mundo. Reabilitação é isso mesmo, dar novos usos a velhas formas e não só nas zonas históricas, dar vida à cidade. O que é preciso é abrir as meninges e não olhar a tudo com o mesmo monóculo. Seja porque se ache que quem compra é capitalista, seja porque quando se quer alterar venha uma qualquer entidade achar que é intocável, seja lá pelos preconceitos que existem e que fazem com que tudo só não esteja na mesma porque com o tempo vai piorando.
O pior “Fascismo” do Centro Histórico será transformá-lo em casas de custos controlados, porque pelas suas características de construção e de humidade, se as pessoas não têm condições económicas de manutenção, será reabilitar para depois voltar a reabilitar. (Aliás é disso exemplo parte do trabalho que fez o CRUARB.) Parafraseando o seu texto, caro Pedro, será o mesmo que dar um “Lotus Évora S 2+2” a quem nem tem carta nem dinheiro para lhe pôr gasolina. Bem sei que nesta fase a sua vontade “socializante” seria concluir e dizer: Então só podemos ter um Fiat Uno? A que eu como bom “Fascista” responderia: Cada um tem o que pode, e se calhar anda a pé, porque eu não sou obrigado a dar-lhe carro.
Não acho que exista nem nunca existiu nenhum “Plano Maquiavélico” de entregar às “Classes Dominantes” o Centro Histórico, mas devia existir. Entenda-se por “Classe Dominante” as pessoas que gostem e optem por lá viver e não que sejam obrigadas, que tenham condições para se sentir tão bem que tratem do Património e não que o sujem e estraguem, e que permitam que este seja alterado e mudado de acordo com as necessidades da vida actual, e que não pensem que as pessoas ainda tenham de morar em lugares insalubres, com escada e com frio e humidade.
Pois é, vivemos todos nesta fobia dos Direitos sem Deveres, e hoje estamos todos chateados porque quem sempre deu é obrigado a dar mesmo que não tenha, porque quem recebeu e recebe não quer por isso menos. O Centro Histórico será de quem quiser e fizer por isso, mas não deixará por isso de ser de todos.
Alexandre Burmester