De: Nuno Oliveira - "Políticas de Mobilidade criam Hábitos de Mobilidade"

Submetido por taf em Segunda, 2010-09-27 15:11

Ainda a propósito desta trocas de ideias (1; 2; 3; 4; 5).

Vamos deixar-nos de fatalismos do tipo "o português é assim" e ver as coisas objectivamente: se a Holanda tem horas de ponta de bicicletas é porque seguiu políticas com tal objectivo e se Portugal tem das culturas mais auto-dependentes dentro de cidades, mesmo em prejuízo próprio, é porque houve políticas que o encorajaram, não porque o povo é incapaz de viver de outro modo.

O caso referido da Holanda, que por acaso é o exemplo o mais distante possível do politicamente correcto, não tem ciclovias como esta porque se espontaneamente começaram a criar horas de ponta mas porque desde os anos 80 existiram uma série de políticas de segurança e sensibilização rodoviária (tipo "acompanhe os seus filhos á escola de bicicleta") que nisto culminaram 30 anos depois. Pelo caminho ficou a taxação severa da presença do automóvel privado no espaço público, na sua perda de espaço em favor do peão, transporte público e bicicleta e criação de "super-ciclovias" desde os subúrbios que tanto podem ser de lazer como para chegar à escola ou trabalho (como distinguir?). É um percurso longo mas compensador para a vivência do espaço urbano.

Em Portugal a tendência foi a inversa: a construção do país com maior número de km de auto-estrada per capita acompanhou a erosão contínua da ferrovia, por via do encerramento e da desactualização, e o uso do carro cresceu sem nenhum tipo de restrição. Em pleno 2010 ainda se chama "caça à multa" a qualquer penalização por violações de regras de tráfego quando noutros países o pagamento da ocupação do espaço público por veículos privados é a norma e, naturalmente, o "roubo" de alguns centímetros ou o encerramento de uma ruela ao trânsito por cá ainda são visto como um ataque à propriedade privada (não é por acaso).

Podemos acomodar-nos ou pegar na evolução positiva que o Porto tem seguido nesta matéria nos últimos anos, num percurso também cheio de percalços e incoerências, admita-se, e levá-la mais longe: concretizar melhor a inter-modalidade dos vários transportes públicos, tolerância zero ao estacionamento ilegal e progressão no sentido de acabar com estacionamento não pago ou ilegal (ou mesmo portajar o centro e baixa no futuro, em conjunto com pedonalização progressiva de alguns espaços), articular melhor com a ferrovia (Leixões, por exemplo), eliminar totalmente o carro de espaços muito mais vocacionados (e rentáveis) para o peão, fazer campanhas eficazes em favor do transporte público (dias promocionais, passes escolares mais generosos) e criação de ciclovias que permitam cruzar a cidade rapidamente, alcançando a vocação da bicicleta como ferramenta do dia-a-dia.

Responsáveis por pelouros e pastas da mobilidade da política britânica fizeram uma visita de trabalho à Holanda sobre políticas de apoio ao peão e bicicleta, seria interessante ver representantes da vida política do Porto mostrarem iniciativa em vez de se acomodarem com o que parece regra por esse país fora. Uma conferência internacional/workshop de mobilidade do qual emergiria um documento com recomendações específicas, por exemplo.
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Nuno Oliveira