De: Frederico Torre - "Diferentes visões do que é IGUALDADE e como chegar a ela!"

Submetido por taf em Quinta, 2010-01-21 23:44

Cara Maria Augusta Dionísio

Tenho todo o prazer que se dirija directamente a mim... a falar todos nos entendemos, ou pelo menos tentamos!
Reconheço que pensei durante uns bons minutos entre deixar ou não a referência ao Aleixo no meu post, exactamente porque queria evitar levar a discussão para a questão da demolição do seu bairro. Acabei por decidir deixar ficar porque a verdade é que é uma questão demasiado importante para não ser debatida...

Antes de mais, deixe-me que lhe diga que a questão do "trabalhar" não se refere obviamente ao Aleixo, onde tenho a certeza que uma grande maioria trabalha bastantes horas e paga impostos, mas sim ao contínuo deitar abaixo que vejo cada vez mais neste blog (e numa crescente parte da sociedade) relativamente a quem criou riqueza pessoal através do seu trabalho e decidiu investir numa boa casa num sítio que gosta, num bom carro ou mesmo numa casa para os "filhinhos". Sabe, da mesma maneira que a si seguramente lhe custa ver todos os habitantes do Aleixo associados a crime e drogas por causa duma pequena minoria, também me custa a mim ver todos aqueles que criaram riqueza à custa do seu esforço (como os meus pais, já que eu até agora certamente criei muito pouca) serem sempre culpados de todos os males por causa da pequena minoria que realmente enriqueceu injustamente, através de negociatas / crime / injustiça.

Quanto ao Aleixo, a verdade é que sou claramente contra o modelo de bairro social, uma vez que mais vezes do que não terminam por criar zonas não integradas na cidade, sem diversidade económica e cultural e, fruto muito provavelmente de serem geridas pelo Estado, com fracas condições e qualidade de vida. Acredito que o melhor modelo de habitação social é aquele que recorre ao arrendamento privado disponível, onde o Estado serve de avalista e, se necessário, apoia o pagamento da renda durante determinado período, mas sempre a preços de mercado, exposto à lei da procura e oferta e à Lei de Arrendamento Urbano.

Como vê, não tenho nada contra o facto do Estado apoiar aqueles que necessitam e acho mesmo que é provavelmente a sua mais importante função (a redistribuição social), segundo a mesma CONSTITUIÇÃO de 1976, aquela que nasceu após a Revolução de Abril.

O que não defendo é que alguém por ser inquilino do Estado tenha mais direitos que eu... Se eu arrendar uma casa hoje, naturalmente a um privado uma vez que não tenho acesso a aluguer do Estado, sei que 1) irei ver a renda ser aumentada anualmente em linha com a inflação; 2) irei ser expulso da casa ao final de uns meses sem pagar a renda (ou pelo menos deveria ser se a justiça funcionasse como devia) 3) ao final de 5 anos (julgo) o senhorio tem o direito de terminar o contrato de sua livre vontade e fazer com a casa o que bem lhe apetecer (o que me parece justo visto que a casa é dele). Inclusive vender o terreno a alguém que está disposto a pagar por ele! E então terei de procurar outra casa, provavelmente noutro bairro, possivelmente a um preço mais alto e com menos condições se não tiver possibilidade de pagar mais, deixando para trás família e amigos. Diga-me por favor onde é que está a igualdade perante a lei que defende quando a Senhora tem aparentemente mais direito à sua casa no Aleixo que eu tenho à minha na Boavista, só porque o seu senhorio é o Estado e o meu é privado? Porque é que no seu caso é tráfico de pessoas e terrenos e no meu não?

Quanto à questão de viver nos bons espaços da cidade e quem tem direito a eles, a verdade é que tais espaços são limitados, o que torna impossível a todos nós viver neles como num mundo perfeito. Assim sendo, algum processo temos de usar para escolher quem tem esse direito e quem não... Um possível critério que podíamos usar era o de que quem chegou primeiro é quem tem o direito de ficar (como defende no Aleixo, não?). Mas, se assim fosse, estaríamos a cometer a injustiça social de esses lugares estarem reservados aos "privilegiados" que tiveram a sorte de nascer num bom espaço! E aqueles que tiveram o azar de nascer num mau espaço, pois... azar!... Outra opção se calhar era sortear esses lugares... mas a mim parece-me terrivelmente injusto deixar algo tão importante à mercê da sorte! Outra opção ainda seria deixar a cada um decidir o quanto importante é para si viver num bom espaço e quanto está disposto a fazer para ter esse privilégio (obviamente dentro da lei). Assim, aqueles que dessem mais importância ao sítio onde vivem poderiam esforçar-se para ter o privilégio de viver num bom espaço, enquanto outros que dão mais importância a ter um bom carro, ter tempo livre, ou viajar, ou estar com os amigos, ou estar com a família, podem esforçar-se por ter aquilo que lhes dá prazer. Certamente parece-lhe justo, não? Ora é exactamente isto que o sistema económico faz, dá o direito a todos nós de optarmos por aquelas coisas que gostamos mais em detrimento de outras que, ainda que também possamos gostar, são menos importantes para nós do que para outros. E de todos os sistemas que já tentamos enquanto civilização, a verdade é que nenhum até hoje combinou tão bem o direito de cada um de escolher livremente o que quer para si, com o dever de respeitar o direito dos outros a terem também acesso às mesmas coisas, que são escassas (como as boas localizações) e portanto impossíveis de todos nós beneficiarmos ao mesmo tempo.

Provavelmente o que escrevo acima pode parecer-lhe um pouco violento, ou como diz, conservador. Eu até descrevê-lo-ia como insensível. A verdade é que ainda que possa não lhe parecer tenho perfeita noção que a sociedade não dá acesso igual hoje em dia a educação, ambiente familiar estável, etc, para que todos possamos concorrer em igualdade na altura de procurarmos aquilo que queremos para nós. Mas então o que devíamos estar a discutir era como criar essa igualdade de oportunidades, não lhe parece?

Com o maior respeito,
Frederico Torre