De: Pedro Marinho - "Re: aos problemas sociais..."
Antes de mais agradeço a atenção do Nuno Quental e dos demais nas minhas palavras. Reparo que há muitos pontos partilhados, mas a utilização de certos termos no seu discurso (comuns ao de muitos que ouço recorrentemente) revela a diferença entre as nossas matrizes pensantes. Não são mutuamente exclusivas, não são melhores ou piores, mas apelo a uma reflexão mais cuidada das suas palavras. Quanto é 2+2? 4! Nem foi preciso pensar na resposta! É esta confiança no nosso pensamento que nos leva a confiar no nosso discurso, sem no entanto reflectir primeiro alguns pormenores...
Hoje o Nuno acordou atrasado para o trabalho, o cilindro avariou a meio do banho, as torradas queimaram-se, meteu os pés pelas mãos no emprego, o almoço caiu mal. O Nuno não é de ferro, e ao fim do dia a sua sensibilidade está afectada; assumo com isto que qualquer pessoa pode deixar-se quebrar pela circunstância e que existem pessoas mais sensíveis ao meio do que outras. Assumo que algumas pessoas que vivem num bloco no bairro do Aleixo (para irmos buscar “apenas” um exemplo mais dramático) se deixam quebrar pelo ambiente logo à soleira. Que a sua sensibilidade começará o dia afectada, cometerá actos que não se orgulhará de todo, ou, em último caso, nem os julgará por fazerem parte tão inerente das rugas do seu rosto.
Sim, estou a justificar com isto que a criminalidade (dispenso termos como «grande», «pequena» ou «vandalismo») pode ter «base nos problemas sociais». Sim, estou a dizer que há quem viva desintegrado, e que responda a esse estímulo de uma forma negativa. Mas não digo que sejam estas as pessoas que se «deveriam integrar». Não são elas, somos todos nós. Não queiramos, por favor, ver deveres só nos outros. Senão, perpetuaremos discursos como «porque hei-de eu, ou o Pedro, pagar pelos problemas dos outros?»; é como que assumir que não fazemos parte do problema, e portanto não fazemos parte da solução. Fazer parte da solução não é (só) ser benevolente na hora do perdão, se me faço entender, parece-me isso a projecção de um alter-ego. A «sociedade mais justa, com mais educação» é construída a partir de nós próprios, cultivando e reconhecendo respeito e dignidade. Não nos deixarmos cegar pelo ódio sobre o fulano que nos levou o telemóvel e 15€ é um passo, importante sim, mas apenas um.
Bom, deve ter reparado que não apresentei «métodos» ou conclusões em concreto, nem vivo nessa ânsia de dar respostas (isso é coisa para políticos centralistas). Parece-me no entanto que há muita acção e pouca reflexão nos dias que correm. Muita obra e pouco respeito. Muito discurso de cliché e pouca devoção às causas. Muita análise superficial e pouco aprofundamento. Outros poderiam dizer o mesmo deste mesmo discurso.
Não montei ainda todo o puzzle da minha personalidade e ideias, por isso se acharem que não tenho razão nisto, lógica naquilo, sentido naqueloutro, não faz mal, porque sobra a paixão de procurar a identidade da minha cidade, de a enfatizar e a cumprir. Foi isso que me levou a escrever o texto anterior. Se o cumprirmos, seremos tolerantes, não por alienação, mas por respeito. Não porque julgarei que a “bike” é minha só porque a paguei e tenho uma factura, mas que é de todos – ou de ninguém, diria Agostinho da Silva – pois foi toda a sociedade que me permitiu tê-la. Que enquanto a sociedade, nós todos, não cumprir os preceitos da humildade, haverá sempre quem nos leve as coisas e quem tome esse pormenor ou os graffitis na parede como um problema «tão sério», desculpa óptima para erguer paredes, trancar portas, clamar pela polícia, andar insatisfeito, ter medo, não compreender.
Desculpe se interpretei mal algumas das palavras, suas e de outros, mas a comunicação terá sempre destas coisas!
Cumps,
Pedro Marinho