De: Pedro Marinho - "De integração social, doença e essência"

Submetido por taf em Segunda, 2009-10-26 23:24

Gostaria de partilhar convosco um episódio menos positivo que servirá de desculpa para expor uma opinião sobre o tema «integração social»...

Seguia hoje no metro, sentado numa cadeira, e no fundo da carruagem ia estacionada a minha bicicleta. Ia absorvido na leitura deveras interessante - curiosamente, ou talvez não, de um tal livro chamado «Uma Questão de Carácter»- quando reparei que um indivíduo pegou na minha bicicleta à saída de uma das paragens (rara coincidência, não havia seguranças na carruagem ou na paragem sequer). Levantei-me e segurei na bicicleta e perguntei ao indivíduo «oub’lá, onde é que vais?». Tentativa de furto, portanto.

Não sigo nada perto as questões políticas, mas sigo atentamente as questões da minha cidade. Abstive-me nestas últimas votações, mas ouvi o início do “discurso de vitória” de Rui Rio onde disse qualquer coisa como «Vamos tratar do realojamento das pessoas do bairro [do Aleixo] com dignidade, contribuindo para o aumento da segurança da cidade». Apesar de Rui Rio ter mostrado alguma sensibilidade para essa questão – de integração social – acho que falta ainda caminhar até ao fundo da questão. Aliás, acho que falta isso a muita gente. Creio que a sensibilidade de Rui Rio foi mostrada ao ter usado a palavra «dignidade». Sim, porque tudo começa aí; a «segurança» nem sequer faria parte de uma lógica que cumprisse o pressuposto «dignidade».

Chegará o dia em que a classe média vai perceber que não há razão para coisas como bairros sociais. Aperceber-se-á que há gente em bairros que cultiva mais a humildade e honra do que muitos emproados instruídos, que num assomo de medo pelo desconhecido trancam-se nos carros, nas casas, erguem paredes. Chegará o dia em que nos respeitaremos a nós próprios, e por consequência, todas as pessoas; perceberemos que não vale a pena propagandear sonhos de liberdade, igualdade, e verdade para todos, para depois metermos só alguns em guetos. Chegará o dia em que perceberemos que isso é roubar a alma às pessoas. Chegará o dia em que perceberemos que pessoas a quem lhes roubámos a alma podem incorrer na loucura de nos roubar a bicicleta, carteira, automóvel e casa. Chegará o dia em que perceberemos que isso são apenas coisas; e que somos aquilo que somos, e não o que possuímos. Que temos alma e, meu deus, ai de quem nos roubar a alma, isso deixar-nos-ia loucos. E quando percebermos que temos alma, perceberemos que existe dignidade, e que ela nasce todos os dias para todos.

Chegará o dia? Não, voltará – porque essa é a essência do Porto, e neste momento, apenas atravessamos uma época estéril no ser, rica no ter, em que perdemos o nosso Norte... Mas quando o reencontrarmos, seremos mais ricos que nunca.
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Pedro Marinho