De: Nuno Quental - "Dos tags aos problemas sociais..."

Submetido por taf em Terça, 2009-10-27 20:26

Oh Pedro Marinho, ainda me ri um bocado com o vernáculo "oub’lá"! A mim por acaso já me roubaram, há uns anos valentes, uma bicicleta. Mas aprendi uma lição: nunca a deixar estacionada na zona da Sé! Eu só não sei é se o Pedro teria a mesma reacção se tivesse sido ameaçado com uma ponta-e-mola, como me aconteceu há 3 anos precisamente no 25 de Abril. Na altura levaram-me um telemóvel velho e uns 15 euros. O meu anjo da guarda ditou que passasse uma carrinha da polícia na altura (onde é que eu já vi isto?), e os dois jovens foram apanhados em apenas 5 minutos. No ano seguinte um desses jovens veio ter comigo, no tribunal de S. João Novo, e perguntou-me se era eu a vítima. Tinha cara de bom rapaz. O outro nem tanto... Em audiência revelaram-se arrependidos, e eu aceitei o pedido de desculpas.

Esta história não tem nada de muito interessante, mas gostava de frisar que por princípio não tenho nada contra ninguém, e que acredito que quem comete crimes deve ser castigado, mas tem direito a perdão e a ser ajudado. Para mim, e creio que para a grande maioria das pessoas, isto é um ponto de partida. (Recomendo já agora o magnífico filme que passou no festival de cinema francês "Eden à l'Ouest", que retrata de forma muito bonita e cativante a questão da imigração). O que eu não consigo é que se invertam as coisas.

Os problemas sociais abundam, é certo, mas eles não se combatem nem com tags e muito menos com o fechar dos olhos à pequena criminalidade (foi combatendo a pequena delinquência que em NY Giuliani conseguiu controlar a criminalidade galopante, mas não defendo os seus métodos). Os problemas sociais resolvem-se com uma sociedade mais justa, com mais educação, com mais emprego, etc. etc. Justificar vandalismo com problemas sociais é para mim completamente absurdo, e não passa de uma desculpa esfarrapada, senão mesmo um cruzar de braços perante problemas tão sérios. Aliás, se tomarmos à letra essa argumentação, o vandalismo teria forçosamente de desaparecer com a inexistência de problemas sociais, coisa em que não acredito. Eu em criança já pratiquei pequenos actos de vandalismo, mas nunca vivi por exemplo num bairro social nem tinha pais alcoólicos. Nem tão pouco as pessoas que vivem nos bairros são pessoas despojadas de alma (caro Pedro, se o ouvem dizer isso acho que não vai direito para casa...). A empregada dos meus pais vive num bairro e é uma pessoa alegre e com uma alma tão grande, ou tão pequena, como a nossa. Não vale a pena simplificarmos a realidade, que é esmagadora e muito mais complexa do que os nossos estereótipos.

E depois, desculpem-me, mas porque hei-de eu, ou o Pedro, pagarmos pelos problemas dos outros? Teremos de perder as nossas bikes porque há quem viva em bairros? Eu não fiz mal a nenhuma dessas pessoas, não faz qualquer sentido, a não ser segundo um sentimento de vingança mesquinho, que eu sofra para compensar os problemas que possam ter. O sofrimento combate-se com ajuda, não com ressentimento. Para acabar, saliento que justificar a pequena criminalidade com base nos problemas sociais dos seus praticantes é condenar essas pessoas a uma existência à margem da sociedade em que se deveriam integrar. Parece-me uma perspectiva de status quo, de indiferença, com a qual não posso pactuar.

Abraços,
Nuno Quental