De: Nuno Quental - "Tags, graffitis e democracia"

Submetido por taf em Sábado, 2009-10-24 22:46

Viva!

Concordo com o Francisco Rocha Antunes quanto à questão essencial nesta discussão sobre os tags e graffitis. O problema de fundo é uma decadência geral do espaço público, uma valorização excessiva do espaço privado, e o advento de espaços a que chamaria semi-públicos (e semi-privados) como são os centros comerciais. É curioso que o maior esforço nos últimos anos de renovação do espaço público (Porto 2001) não tenha sido capaz de gerar sequer um consenso amplo na cidade, e de muitas intervenções, como no caso da Cordoaria, terem sido desastrosas. Mas penso que a solução para este problema não está em danificar ainda mais o que resta do espaço público. Não. A solução passa precisamente pelo contrário: por valorizar o que temos de bonito e de acolhedor, das nossas belíssimas praças, pitorescas, que infelizmente são amiúde ridicularizadas.

É aqui, neste contexto, que insiro a questão dos tags. Eles são nefastos para uma cidade já recalcada de políticas com poucos escrúpulos. A famigerada recuperação nocturna da Baixa, por exemplo, está a ser conseguida ultimamente com recurso à transformação do jardim da Cordoaria e de todos os passeios nas redondezas num parque de estacionamento. Isto eu considero - tal como os tags - pura selvajaria e vandalismo. Não há pois que encontrar justificações mal amanhadas para atitudes que revelam um profundo desprezo pelos nossos concidadãos. A atitudes destas, que infelizmente são normais em sociedades com um baixo nível de instrução, é preciso responder com firmeza, e não com palavras mansas ou discursos justificativos. Firmeza não no sentido de causar dano a quem não merece mas sim no sentido de proteger as pessoas que, antes de mais, são prejudicadas por quem ultrapassa os limites. E os limites são de diversa ordem: consciência pessoal, ética, e legal. Não consigo por isso compreender o discurso que o Nuno Carvalho nos traz, que me parece ambíguo, falsamente conciliador e cheio de falinhas mansas. É acima de tudo profundamente parcial, pois não consegue ver que anuir ao vandalismo, da mesma forma fechar os olhos criminalidade, é permitir que certas pessoas indefesas sejam prejudicadas ao mesmo tempo que outras sejam beneficiadas sem qualquer justificação válida para isso. Ora uma das funções primordiais de um Estado é precisamente impedir este tipo de injustiças.

Aliás o que o Nuno Carvalho nos revela é basicamente o elogio da anarquia. Se é governo, sou contra! É preciso ter a noção de que isto não nos leva a lado nenhum, não ajuda a construir nenhuma alternativa sólida e minimamente viável. É uma crítica essencialmente inconsequente. Mas respeito-a, claro.

Dito isto, acho que há um enorme espaço para aprofundar a democracia. Aliás já escrevi sobre o assunto. Saliento duas ideias que me parecem da maior importância: implementar o orçamento participativo ao nível local de forma sistemática; e passar a referendar ao nível nacional grandes investimentos (estou a lembrar-me, claro, do TGV, das auto-estradas, do plano de barragens, do aeroporto, etc.). São exemplos concretos de políticas que nos encaminhariam para o aprofundamento da democracia. Já aqui fiz há tempo uma proposta ainda mais polémica, que consistiria num salário máximo nacional. Mas estas ideias configuram o oposto do discurso antipolítico, que semearia o caos em lugar do sistema imperfeito actualmente vigente (Churchill dizia que a democracia era o pior dos sistemas, com excepção de todos os outros...). Significa, acho eu, o desenvolvimento natural do sistema vigente, que já foi capaz de muitas conquistas, mas que tem pela frente ainda muitos desafios.

Nuno Quental