De: Paula Morais - "Cooperação inter-urbana e desenvolvimento regional"
Caros participantes,
Apesar de o assunto já ter sido debatido, em tempos, neste blogue, vou aproveitar a referência que TAF fez no seu recente “Uma geração balofa e parda”, bem como a notícia publicada no último Domingo sobre o futuro canil intermunicipal do Porto e de Gaia, para partilhar esta minha reflexão sobre o tema da cooperação entre municípios.
De facto, são já vários os fenómenos que hoje em dia reclamam, cada vez mais, uma actuação conjunta e coordenada a nível intermunicipal. Da exiguidade excessiva do espaço administrativo dos municípios relativamente aos serviços que os mesmos têm de desenvolver e que exigem uma implantação mais vasta do que a área administrativa daqueles (como por exemplo os serviços de transportes colectivos, os serviços de captação e distribuição de água ou os serviços de recolha e tratamento de resíduos), à crescente densidade populacional que por sua vez reclama o aumento e a melhoria da capacidade de resposta dos serviços municipais, passando pela, também crescente, escassez de meios financeiros e técnicos com que se debatem actualmente os municípios, são muitos os fenómenos que contribuem para o aumento da necessidade de cooperação nos mais variados domínios das atribuições municipais.
É precisamente neste ponto, ou seja, na necessidade por muitos sentida de se proceder a um “redimensionamento” da área dos municípios por forma se encontrarem soluções para interesses/problemas comuns, que eu discordo daqueles que defendem a alternativa do redimensionamento da área (na sua vertente física), através da fusão (ou agregação) de municípios. Na minha opinião, tal opção, além de se apresentar bastante drástica, uma vez que um (no caso de se tratar de dois) dos municípios seria forçosamente “suprimido”, ou “colonizado” pelo outro, sendo assim, na minha perspectiva, contrária ao princípio fundamental da autonomia e liberdade dos vizinhos, apenas faria aumentar, em dimensão física, quer os problemas a resolver, quer as necessidades da comunidade a satisfazer. Um caso muito elucidativo das dificuldades advindas desta solução é o caso da Bélgica, que nos anos 70 do último século reduziu, através da supressão forçada, o seu número de municípios (de cerca de 2400 para aproximadamente 600).
Sou pois de opinião que tal redimensionamento seria mais vantajoso se fosse operacionalizado a nível de área de actuação dos municípios. Isto é, os municípios que apresentem determinados interesses comuns, e que partilhem da interdependência dos respectivos problemas, deverão procurar uma actuação conjunta e coordenada, através da associação e cooperação, nesses domínios que os unem, e que podem, ou não, ser físicos. Aliás, esta forma de redimensionamento municipal, ao invés do redimensionamento em termos de área física, apresenta-se inclusive mais próxima da actual forma de distribuição de recursos/financiamento baseada em “economias de aglomeração”, permitindo assim uma maior rentabilização dos investimentos e dos serviços a nível regional.
Se há pontos de contacto que se apresentam comuns a um maior número de municípios, como é o caso da gestão de resíduos (por exemplo, a LIPOR é constituída por 8 municípios, e no meu entender nada impede de serem mais), há outros interesses que apenas são partilhados por dois municípios. Por exemplo, e em relação à cooperação entre o Porto e Gaia, concordo plenamente com a sugestão já aqui apontada de a SRU de Gaia utilizar o quadro técnico da SRU do Porto na gestão do Centro Histórico comum a ambos os municípios, uma vez que, parafraseando o autor do artigo “A pátria das camélias”: “É o mesmo rio, a mesma terra, o mesmo falar, a mesma gente, a mesma génese, a mesma história.” Já agora, aproveitando o tema do texto deste mesmo artigo, e uma vez que estamos a falar de Porto + Gaia, porque não estender a cooperação intermunicipal à criação de um Horto intermunicipal especializado nessa espécie tão representativa do património comum a estes dois municípios que é a Camélia? Veja-se o exemplo da ASPROGA, na nossa vizinha Galiza, que fornece camélias, hortênsias e rododendros a todas as regiões espanholas, e exporta inclusive as suas espécies para a França, a Alemanha e a Inglaterra.
Para rematar não queria deixar de lembrar que uma das “Opções para o desenvolvimento do território” para a Região urbano-metropolitana do Noroeste, preconizada na proposta de PNPOT que está actualmente em discussão pública, é precisamente a de “criar redes de cooperação inter-urbana capazes de promoverem a reorganização espacial dos serviços não mercantis, de forma a permitir ganhos de eficiência (escala, especialização, multifuncionalidade) e de qualidade”.
Já agora, por mera curiosidade, e para que não se pense que isto da cooperação intermunicipal é algo que apenas surgiu por cá recentemente, posso informar que no longínquo ano de 1913, já a Lei n.º 88, de 7 de Agosto, a propósito da indicação das competências e atribuições das câmaras municipais, permitia no n.º 24 do seu artigo 96.º a celebração de “acordos” entre estas últimas para a realização de melhoramentos e serviços de utilidade comum.
Paula Morais
Arquitecta
PS – Caro TAF, subscrevo o texto de José Silva no Nortugal.Info, em especial a última frase.