De: António Alves - "Repovoar"
Caro Luís Filipe Pereira
Para não me repetir remeto-o para este meu post, onde já respondi às suas questões. O que eu desejo para o Bolhão é que o deixem ser aquilo que ele sempre foi: um mercado de frescos. O pior que fizeram à Praça do Anjo (Actual Praça de Lisboa) foi terem-na transformado num centro comercial pindérico. Deveria ter continuado, embora modernizada e mais funcional, um local de abastecimento do pequeno comércio tradicional da cidade e ainda hoje estaria viva. Na época tinha-se horror ao pó das batatas, ao cheiro dos legumes esmagados, ao linguajar rude dos vendedores e achava-se que a cidade era só para gente engravatada e seus escritórios. O resultado está à vista. Alterar funções e significados de edifícios e locais deste tipo é matéria perigosa que deve ser mexida sempre com pinças de alta precisão, pois caso contrário arriscamo-nos a matar a própria cidade. Este é um caso – Bolhão – em que, na minha opinião, o executivo camarário não tem o direito de decidir sozinho. Só o faz porque se julga dono do património público. Entenda-se património como o material e, mais importante ainda, o imaterial.
A recuperação da Baixa precisa de tudo menos de uma espécie de pequeno museu antropológico num recanto do futuro Bolhão renovado. Não é a recuperação do Bolhão que vai renovar e repovoar a Baixa. Também não serão as lojas do tipo Zara ou similares que trarão mais habitantes ao centro da cidade. Já uma vez, há muito tempo, escrevi aqui que o repovoamento da Baixa deveria andar ligado à resolução do problema dos Bairros Sociais. A autarquia deveria promover o retorno dos seu habitantes à Baixa, onde existem imensos prédios devolutos (mesmo ao lado do Bolhão na Rua Alexandre Braga, por exemplo), e financiar essa operação com os terrenos onde actualmente se situam estes Bairros, que seriam assim libertados para o mercado imobiliário. Aqui entraria a iniciativa privada, que pagaria, numa primeira fase, a compra e recuperação de edifícios de habitação na Baixa, e seria depois muito bem recompensada com operações imobiliárias nos terrenos libertados, muitos com localizações deveras privilegiadas. Obviamente que subjacente a tudo isto existe uma questão ideológica: este executivo julga que recuperará a Baixa exclusivamente através de uma operação de gentrificação - uma espécie de upgrade ao povo. Já foi tentado em outras cidades do mundo e os resultados não foram os melhores.
Não se julgue que me oponho a toda e qualquer operação de recuperação do valor imobiliário das zonas mais degradadas da cidade de modo a atrair gente de estatuto económico mais elevado. Oponho-me é a que seja esse o único objectivo. A diversidade social deve ser um valor a conservar. Só assim teremos cidades saudáveis. O ideal será ir eliminando paulatinamente as zonas de exclusão e ter uma visão integradora. Caso contrário, porque nunca haverá ricos suficientes, arriscamo-nos a criar apenas pequenas ilhas de bem-estar rodeadas por um mar de miséria.
António Alves