De: Jorge Ricardo Pinto - "O que é a tradição?"
Espero que tenha sido brincadeira aquela de sugerir transformar o pavilhão Rosa Mota em arena de touros. Sinceramente, até o disparate tem que ter limites.
Já no final do século XIX (1895), Alberto Pimentel na obra “O Porto na Berlinda” dizia que “o Porto acha mais sabor ao boi no prato do que ao touro na arena”. Aliás, já tinha sido um homem do Porto (ainda que nascido em Bouças, a actual Matosinhos) – Passos Manuel – a despoletar a proibição das corridas de touros, a bem do progresso e da moral da nação, através de um decreto-lei da década de 30 de XIX (estão a ler bem: há mais de 170 anos!). Não sei se os valores que a LPDA aponta são verdadeiros para o país inteiro (74% dos portugueses serão contra a tourada), mas não tenho dúvidas que para a minha cidade, o Porto, eles pecam seguramente por escassos. Haverá por aqui quem também as aprecie, mas uma larguíssima maioria dos restantes portuenses interrogar-se-á da sanidade mental desses outros.
Na verdade, desconheço de onde virá esta forma de estar que faz com que esta cidade se sinta amiudadamente como corpo estranho ao país que nos é oferecido diariamente nos media (a este propósito, será interessante (re)ler este texto de JPP, na parte relativa à reabertura do Campo Pequeno). Muito provavelmente esta forma de estar da cidade virá da influência da enorme comunidade nórdica, dominantemente inglesa, da ligação a D. Pedro IV e aos valores do liberalismo. Curiosamente, é durante este fim-de-semana que se celebra (ou devia celebrar) o desembarque no Pampelido (8 de Julho) e a entrada das tropas liberais no Porto (9 de Julho). Até ao princípio do século XX, muito antes de qualquer corrida de popós que agora se diz tradição do Porto (e que independentemente de qualquer mais-valia é poluidora, gastadora, incómoda e às custas de património da cidade), a data era festejada efusivamente na cidade, e chegou mesmo a ser equacionada como feriado municipal.
Sobrará algum das corridas de calhambeques para gastar nesta efeméride que tanto devia orgulhar o Porto e o seu município (e que se tivesse sido na capital, provavelmente seria até feriado nacional)? Até porque se procuramos a identidade da Invicta e não a queremos transformada em Alentejo, Lisboa ou outra qualquer terriola meridional portuguesa, não é com touradas nem recordes em árvores de plástico que lá vamos.