De: Correia de Araújo - "Visões e Divagações"
1. Visões
A gestão, ou melhor, as diversas formas de gestão de cidades como o Porto ou Lisboa não se afiguram, de todo, como tarefas de fácil execução. Há todo um emaranhado de questões técnicas e políticas que sentem pairar sobre si, permanentemente, aquela indesejável Espada de Damocles que teima em marcar presença a cada passo que se dá. Estas duas cidades, pelas suas especificidades próprias, pelas responsabilidades acrescidas (afinal uma é a capital do país e a outra a capital do Norte), são alvo fácil e preferencial na apreciação crítica sobre a acção (ou inacção) das suas autarquias. Há sempre alguém pronto a apontar o dedo (e eu aqui também faço mea culpa), alguém atento a tudo e a mais alguma coisa... o que até nem seria mau desde que não fosse levado ao extremo nem descambasse num fundamentalismo doentio.
Ao passar, por exemplo, na A4 vejo um enorme conjunto habitacional a ser erguido num concelho da GAMP, bem próximo do Porto, e conto qualquer coisa como 14 gruas trabalhando no mesmo empreendimento... normal, digo eu, até será sinal de alguma retoma na construção civil. Não me interrogo quanto ao COS, volumetria de construção, densificação do edificado, cérceas, etc...etc... tudo bem, tudo normal. Mas, e se fosse no Porto? Uma só grua ao alto e já dava para perguntar: o que vai nascer ali?... o que se vai construir?... com que direito?... agora pense-se como seria se fossem 14 (catorze), digo bem, catorze(!) gruas. A construção da Torre das Antas foi o que foi... polémica atrás de polémica, caiu o Carmo e a Trindade... mas, e a Torre da Maia? Sim! Aquela (a que alguns chamam isqueiro) encostada ao edifício dos Paços do Concelho, aliás, com alguma similitude com a Torre das Antas. Bom... em relação à da Maia, tudo bem, tudo normal.
Quantas Vias Nun´Álvares não existirão por esse país fora? Tudo bem, tudo normal. Só que a nossa está como a pescada: antes de ser já o era! Agora o que não lembra ao diabo é comparar-se a futura Via (até agora apenas virtual) com outro tipo de bat(ota) nacional. Já percebi que alguns gostariam de ver o Porto transformado numa espécie de Alentejo do Norte... planinho, planinho, a crescer para baixo (e atenção que respeito e gosto muito do Alentejo, mas é lá onde ele está). Querem crescimento (ou dizem que querem)... querem mais gente a viver na cidade (ou dizem que querem)... querem tudo e não querem nada. São mais pela destruição do que pela construção! Esperam que um dia este Porto chegue aos 100 mil habitantes para, pacatamente, e bem à moda do bucolismo da planície, assistirem ao que resta da cidade transformado numa freguesia de Gaia.
Modernidade? Não! Que coisa!
Progresso? Não! Nem pensar!
Avanço? Não! É perigoso!
E a árvore que vem para aí no próximo Natal? Ui que coisa medonha... (terá cércea a mais?).
Entretanto... sou daqueles que consigo gostar da agitação própria das cidades, porque gosto de viver na cidade e viver a cidade, mas não dispenso, nos entremeios, umas estadas no campo. Admito, e aceito, que haja quem não goste de viver na cidade, que haja quem prefira, só e exclusivamente, o campo. A estes últimos aconselho-os, se puderem, a mudarem-se de vez para lá... serão mais felizes e farão os outros também mais felizes. Porque, para deixar estar tudo como está... para mais tarde podermos tirar do baú das recordações este Porto entretanto transformado num qualquer tesourinho deprimente... não contem comigo!
2. Divagações
Porque anteriormente falei de Lisboa e Porto, com algumas incursões pelas planícies alentejanas, aqui vai...
Se a memória não me falha, ali para finais do pretérito ano de 2006, muito se postou aqui n'A Baixa a propósito das sempre eternas e infindáveis comparações entre o Porto e Lisboa. Curiosa e coincidentemente, por essa mesma altura, ouvia da (colérica e descontente) boca de uma criança de tenra idade (sensivelmente 11/12 anos) que Lisboa era maior e melhor do que o Porto porque Lisboa tinha tudo (ou quase tudo). Assim: tinha um jardim zoológico, um pavilhão multiusos, pistas de tartan para atletismo, um parque expo, teleféricos (Gaia também vai ter, nós não), uma feira de exposições (FIL), uma praça de touros, um casino, um aeroporto (o do Porto fica na Maia/Matosinhos), o porto de Lisboa (o nosso é em Leixões, Matosinhos), um Oceanário, etc., etc.... acrescentaria eu que Lisboa tem, também, outro tipo de equipamentos, mormente culturais (bibliotecas, grandes espaços para exposições), porque tem, também, a esse nível, outro tipo de preocupações.
Entretanto, lembrei-me, e isto para abater ao nosso saldo negativo neste deve/haver contabilístico entre Porto e Lisboa, que podíamos começar pela reabilitação do Pavilhão Rosa Mota, tornando-o, como está previsto, num pavilhão multiusos mas, com algum jeitinho, conferindo-lhe ainda aquela valência tauromáquica muito em voga lá para o Sul (como é o caso do Coliseu de Elvas, da Arena de Évora ou do recém requalificado Campo Pequeno, em Lisboa)... e aqui me perdoem os que são contra a afición, por esta minha heresia/ousadia, mas só queria ajudar, fazendo o 2 em 1: conseguíamos, em simultâneo, um multiusos e uma praça de touros, abatendo, assim, de uma assentada só, 2 itens ao rol das nossas deficitárias contas, ao mesmo tempo que conferíamos algum júbilo àquele irado jovem portuense.
Depois... bom, depois, quanto ao aeroporto e aos aviões penso que estamos falados... afinal, com o Queimódromo transformado em aeródromo, que mais queríamos para a nossa cidade? E o Jardim Zoológico? Bom, quanto a este julgo-o perfeitamente dispensável, tantas são já as macaquices que se vão vendo por aí! Poderia continuar, mas acho melhor ficar-me por aqui... afinal de contas é apenas divagar numa cidade a divagar e a andar tão devagar.
Correia de Araújo
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Nota de TAF: quanto à praça de touros, parece-me de facto completamente desajustada num contexto em que se pretende fazer evoluir a cidade. Seria mau sob todos os pontos de vista, a começar no respeito pelos animais e a terminar na imagem do Porto. Porto é vinho, é FCP, é Património Mundial, é Cultura (Serralves, Casa da Música), é Arquitectura, é Ciências da Saúde. Pode até ser Circuito da Boavista, mas não é certamente tourada!