De: António Alves - "Os verdadeiros novos regionalistas"
Sócrates venceu as eleições e tornou-se primeiro-ministro com maioria absoluta. Este feito deve-se essencialmente à imagem de homem determinado e, ao mesmo tempo, moderno e cosmopolita. Imagem, não interessa se falsa ou verdadeira, que conseguiu fazer passar e que, em contraste com a desorientação santanista, deu os seus frutos. Pretender ver na eleição, do mesmo modo maioritária, de Rui Rio as mesmas razões de fundo, é não conhecer a realidade sociológica do Porto e do país.
O Porto (concelho) é uma sociedade em franco declínio, uma sociedade dual, profundamente dividida: dum lado uma burguesia com um quadro mental ainda oitocentista, retrógrado e reaccionário, que vive das glórias passadas (o revivalismo automobilístico é um sinal), que sonha com um regime que a proteja dos novos grupos sociais em ascensão; doutro lado uma massa de classes pobres (um quarto dos habitantes em bairros sociais, outro quarto em casas degradadas e ilhas), população pouco instruída, que usufrui de pensões e salários baixos ou está desempregada, que apresenta baixos índices de saúde (o concelho do Porto tem índices de tuberculose assustadores para os tempos modernos). A classe média que sobra está envelhecida e é também incapaz de compreender os novos tempos e a nova economia. Suspira de saudades pela segurança, medíocre mas reconfortante, do salazarismo e marcelismo. As modernas classes médias, jovens, profissionais, activas e criativas há muito que abandonaram a cidade.
Rui Rio é um produto deste quadro social. Julgar que um indivíduo cuja personalidade está eivada por preconceitos de classe contra as classes trabalhadoras autónomas, contra todos os que pensam que o homem tem ambições intelectuais mais largas que o burguês (e oitocentista) concerto de Natal num qualquer coreto, ou num qualquer festival de música de consumo rápido e conteúdo facilmente assimilável, e que tem até comportamentos desumanos contra grupos sociais extremamente fragilizados e sem qualquer hipótese de defesa, é exportável para o resto do país é um acto de desinformada ignorância. Rui Rio não ganha qualquer eleição fora do Porto; nem sequer, aqui ao lado, em Matosinhos. Não se confunda a opinião publicada (e interesseira) com opinião pública.
As classes médias modernas não gostam de gente tão politicamente grosseira. O sucesso de Rui Rio deve-se ao quadro social específico da cidade: os grupos sociais dominantes são aqueles que propiciam o caldo de cultura ideal para o emergir de políticos deste tipo. Políticos autoritários e retrógrados que sempre seduziram a burguesia imobilista, ameaçada pelos novos ventos da história que é incapaz de acompanhar; políticos que seduzem também os mais pobres e ignorantes com o seu discurso pretensamente justicialista contra as classes médias trabalhadoras que pensam pela sua própria cabeça. Esta massa de “descamisados”, sem consciência de classe, é facilmente arregimentada contra os “privilegiados”, que invejam, não porque estes o sejam na realidade mas somente porque são os que lhes estão mais perto e com os quais é mais fácil estabelecer comparações.
Se há cenário que me assusta é ver um político deste calibre à frente dum possível futuro governo regional. O que precisamos é de mentes modernas, abertas, viradas para o futuro, humanistas e cosmopolitas. Mulheres e homens capazes de se entusiasmarem e entusiasmarem com as ideias como, por exemplo, as trazidas aqui pelo David Afonso. Mulheres e homens que não sejam timoratos, capazes de tecer redes para o futuro. Salazares, por mais reciclados que nos apareçam, não!
Os novos regionalistas são aqueles que não se revêem numa posição eternamente secundária e submissa aos interesses das oligarquias meridionais e dos seus novos conventos de Mafra (leia-se Ota); são aqueles que sonham com uma região dinâmica, moderna e cosmopolita; são aqueles que se identificam a SONAE, com a BIAL, com o IPATIMUP, com as empresas informáticas de Braga, com a animada e civilizada vida urbana desta cidade, com o Teatro Circo, com Serralves, com o prestígio internacional do FC Porto e com a dinâmica ascendente do Sporting Clube de Braga. Estes regionalistas não estão interessados num estatuto tutelado pelos partidos de Lisboa. Sonham com um futuro autónomo e verdadeiramente europeu. Não estão dispostos a esperar por Godot (leia-se a boa vontade de Sócrates). Sabem que se não forem eles a zelar pelo seu futuro ninguém o fará por eles. Estes são os verdeiros novos regionalistas.