De: David Afonso - "Leituras em dia"
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1. Comércio à deriva
No passado Sábado, o Diário de Notícias deu alguma atenção ao problema do comércio tradicional na Baixa do Porto. Como seria de esperar a presidente da Associação de Comerciantes do Porto, Laura Rodrigues, foi então entrevistada tendo aproveitado a oportunidade para abrir a manta das lamúrias do costume, assumindo uma postura derrotista ao afirmar coisas como esta: «O comércio tradicional da cidade do Porto está morto e enterrado». Se assim é, então mais valia a Associação pura e simplesmente se extinguir ou – o que seria mais fácil - mudar de direcção. Os comerciantes têm toda a razão quando denunciam a concorrência desleal dos shoppings que entretanto cercaram a cidade, também têm toda a razão quando se queixam do poder político, mas também teriam toda a razão se se queixassem deles próprios. O comércio tradicional tem de dar uma grande volta: variar horários para irem de encontro às necessidades do cliente, abrir ao Domingo (experimentem passar pela FNAC na Stª Catarina ao Domingo para verem se há ou não há clientela), tornar os espaços mais agradáveis, especializar a oferta, estabelecerem parcerias, colaborarem na limpeza urbana (às vezes são os primeiros a dar o mau exemplo). O modo como o Urbcom foi gerido ou como o Modcom passou ao lado ou ainda o arrastamento do caso do Cinema Batalha são sintomas de um adormecimento e de uma incapacidade de reagir, são um sintoma não da morte do comércio mas da associação. Outra prova disso é que Laura Rodrigues revela desconhecimento sobre o fenómeno dos novos espaços comerciais mais ou menos alternativos que têm vindo a aparecer um pouco por toda a Baixa (alguns exemplos aqui, aqui e ainda aqui). No entanto, mesmo desconhecendo esta nova realidade, não se inibiu de lhes lançar uma espécie de praga: «Não vão ter a afluência necessária e terão as dificuldades do restante comércio tradicional».
2. O Carolina não encerrará
Numa entrevista dada ao Público a 17 de Abril, a responsável pela DREN (Direcção Regional de Educação do Norte), Margarida Moreira, assegurou que o Carolina Michaelis não se vai extinguir para dar lugar ao Conservatório: «A Rodrigues de Freitas e a Carolina Michaelis não serão fundidas. Existirão as duas como escolas secundárias. O Conservatório terá um espaço numa escola secundária do Porto...». Isto é uma boa notícia! Só temos de aguardar que a própria ministra da educação anuncie qual a solução final e, tanto quanto se sabe, o Conservatório coabitará em autonomia com uma escola próxima da Casa da Música. Outra boa notícia é esta: «Vamos começar com um trabalho pioneiro e piloto para requalificar as escolas secundárias de Lisboa e Porto. Não para serem as únicas a serem requalificadas, mas porque a história mostrou que foi aqui que começaram as escolas e, portanto, que é aqui que estão concentradas as escolas mais antigas. E algumas delas são ex libris das cidades.» (aqui só lamento a concentração em Lisboa e Porto porque conheço uma data de liceus históricos espalhados por esse país fora que também mereciam alguma atenção...). É óbvio que estamos perante um paradigma oposto ao da actual edilidade portuense. Recorde-se que Rui Rio afirmou taxativamente que se eles [o ministério] fossem inteligentes deveriam encerrar o Carolina e que o vereador do urbanismo, Lino Ferreira, fez finca-pé da extinção desta escola até à última. O quadro não deixa de ser curioso: a autarquia a pedir que lhe encerrem uma escola e o estado central a defender a sua manutenção. Pergunto-me a mim próprio, como certamente outros portuenses (e não só), o que terá levado estes autarcas a procederem de forma tão original...
3. O Provedor da Sé
No Local (Lisboa) do Público de 13 de Abril topei com uma notícia interessantíssima que bem poderia inspirar a autarquia do Porto. A Câmara Municipal de Lisboa convidou algumas figuras públicas para provedores dos bairros sociais que serão alvo de um processo de reabilitação (por exemplo: Margarida Martins – Bairro da Liberdade, Simone de Oliveira – Bairro da Boavista e João Ricardo – Bairro do Padre Cruz). A função dos provedores será a de acompanhar o processo, facilitando a comunicação e a confiança entre técnicos e residentes. Estamos a falar de uma operação que vai envolver cerca de 2500 famílias. Não conhecendo a realidade lisboeta, arrisco-me a dizer uma asneira, mas mesmo assim: Seria interessante ver algumas figuras públicas do norte a assumirem esta tarefa de provedores dos bairros sociais e históricos (já agora). O problema seria arranjar figuras públicas em número suficiente, mas creio que seria um contributo cívico muito importante. O Bairro da Sé deve este ano começar a ser intervencionado pela SRU: porque não pedir à população para eleger o seu provedor? Imaginem só como tudo seria mais fácil se tivéssemos o Pinto da Costa como Provedor da Sé! ;))
David Afonso
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