De: Mário G. Fernandes - "A cidade, em suma!"
Meus caros
Errei. Já tinha notado, ao ler o jornal, que errara o nome da empresa e, agora, fiquei a saber que já nem é a Bragaparques (com p minúsculo: esta, não erro mais), por isso, aí vai a minha errata: no meu último post, sempre que se lê 'Braga Parques' deve ler-se proprietário(s), empresas ou indivíduos, promotores imobiliários, enfim, investidores. Quanto às restantes notas: entre Domingos Névoa e Sá Fernandes não fico com nenhum; aqui não há Sá Fernandes e ainda bem, como se depreende da nota anterior; não insinuei nada, talvez aceite "considerações", mas prefiro dizer que fiz afirmações.
Estas, de qualquer forma, servem para este caso, como para outros, e não lhes retiro "uma vírgula": quem está a decidir a "reabilitação" (com muitas aspas) são os proprietários/investidores, os quais, pelo que se vê no caso de D. João I, estão pouco preocupados com o património, já que não concordaram com a primeira proposta, que o preservava mantendo a razoabilidade de negócio, e trataram de promover outra proposta que destrói tudo, mantendo apenas algumas fachadas (de Sá da Bandeira e da Rua Formosa). O que propõem é a demolição de tudo menos das fachadas. Além do mais, e este é um aspecto não menos importante, a segunda proposta destrói a morfologia tradicional do quarteirão, encolhendo-o e deixando um vão exagerado no local do antigo Banco do Brasil (que aliás, a primeira proposta já propunha, e bem, demolir, mas deixando uma passagem, para o interior do quarteirão, mais contida na sua largura, com isso preservando o quarteirão e preservando o pequeno largo adjacente à Rua Formosa). No conjunto, resulta um quarteirão mais pequeno, com uma cauda.
Basta ler o Projecto Base de Documento Estratégico que a SRU publicou na Web, com inúmeras incongruências decorrentes de se tratar do resultado de um enxerto (caracterização feita pela primeira proposta, com uma recaracterização e nova proposta), para se perceber a situação: o quarteirão está inserido na mancha demarcada em Carta do Património do PDM do Porto como "conjunto de Interesse Urbanístico e Arquitectónico", sendo classificado como "Frente urbana consolidada", onde se devem privilegiar as intervenções de conservação e reabilitação dos edifícios existentes (pp. 18-19). No entanto, a retórica justificativa que ultrapassa este problema aparece mais à frente (pág. 41): o quarteirão, na parte Norte, é "triste, incaracterítico e sombrio" e "favorece o aparecimento e florescimento de manifestações de marginalidade e de um clima de insegurança" (onde é que já ouvi isto!?). Pelo contrário o lado Sul é "moderno, vigoroso e qualificado ... beneficiando de uma boa exposição solar" (pp. 41-42).
É recorrente, aliás, o sublinhar do "modernista" Palácio Atlântico como referência, pressupondo-se que deveria servir de ideia para o resto do quarteirão. Ora o Palácio Atlântico é uma referência, com certeza, mas também o é o mercado do Bolhão e os palácios urbanos das suas proximidades e seus contemporâneos. É dessa diversidade que a cidade necessita (nesta área note-se). Sei que afirmam que o IPPAR aprovou o segundo projecto, mas conhecemos tantas decisões do IPPAR... Um pormenor: é de duvidosa justificação o alargamento da travessa do Bonjardim, talvez apenas útil pelo acesso ao parque de estacionamento subterrâneo, quando poderiam existir outras soluções para o parque e seria de ponderar a pedonalização da travessa.
A imagem que o arquitecto A. Burmester aqui publicou do interior do quarteirão tem uma intencionalidade: demonstrar o caos sem nada que se aproveite. Não vai lá por aí. Nem lá vai dizendo que concorda com o princípio de preservação que defendo, para este caso concreto, e afirmando que foi isso que fez, porque não o fez. Também gosto de imagens e todos sabemos como se manipulam. As que apresento não me parece contribuam para a manipulação. São retiradas do relatório e embora sabendo que uma imagem, por si só, não congrega toda a informação necessária, parece-me que a comparação contribui para clarificar ideias e cada um tecer as suas considerações.
- Extracto da carta de A. G. Telles Ferreira, 1892
- Síntese da primeira proposta (Arqº Rui Mealha)
- Síntese da segunda proposta (Arqº A. Burmester)
Enfim, caro arquitecto A. Burmester, não sou fundamentalista, em nada, aliás. Quer exemplos de empenas? Dou-lhe um: as da "facha iluminista conjunta e com frontão central" (pág. 8), "interessante forma de agregação de 4 parcelas em fachada única" (pág. 13). Mas mais do que casos concretos, o que me importa são os conceitos subjacentes às propostas e, nesse aspecto, prefiro a primeira proposta, porque é preservadora e, simultaneamente, modernizadora da cidade, continuando, além disso, a proporcionar negócio. Finalmente, a questão é tanto mais pertinente e preocupante quanto se afirma que a intervenção no quarteirão de D. João I é e será, para a SRU, encarada como "paradigmática".
Quanto ao resto, caro F. Rocha Antunes, a minha preocupação é com a cidade e, não sendo morador na área, é difícil influenciar as opções. Além disso, as entidades públicas que o poderiam fazer, vendo bem as coisas, facilitam. Talvez seja uma questão interessante para colocar no próximo serão da Bonjóia, cujo anúncio, aqui postado pelo arquitecto Pedro Aroso, afirma que se falará sobre a forma de "mobilizar os proprietários, os investidores, em suma, a cidade", o que me parece revelador.
Afinal, quem faz a cidade, em suma?
Desculpem a extensão, mas teve que ser, pois não fui capaz de menos.
Cumprimentos.
Mário G. Fernandes