De: Cristina Santos - "Rua das Flores"
Caro David Afonso
Antes de mais os meus parabéns pela iniciativa, terei todo o gosto em visitá-los durante esta semana. Mas escrevo para reforçar a ideia do crescimento do movimento humano na Rua das Flores. Fui lá na semana passada e sugiro a todos os portuenses que façam o mesmo, e recuperem a auto-estima e o carinho pela nossa Cidade.
A Rua da Flores parece uma aguarela colorida, há jovens, há turistas, há movimento e acima de tudo há alento. Procurei um sítio para almoçar e reparei que a maioria deles está conservada, com cores vivas e com amplitude, nota-se que as obras de restauro não têm qualquer perícia e as esquadrias não encaixam, mas até esse amadorismo cai bem, porque há cor, há limpeza, há alegria, há vontade para conservar. Escolhi um tasquinho com paredes amarelo torrado e vigas de madeira semi-encastradas no pladur, fui muito bem atendida por uma jovem dinâmica cheia de garra e gosto pelo seu trabalho. O espaço estava limpo, agradável. Os jovens turistas foram muito bem atendidos, ninguém lhe deu uma lista, foram-lhes sugeridos os pratos do dia, explicados com toda a paciência e no fim saíram bem servidos a um bom preço e com certeza vão voltar à cidade.
Na rua vi muitos senhores a trabalhar nas fachadas, com os seus rádios nas soleiras, empoleirados nas varandas, iam reparando, pintando calmamente as caixilharias, com cores fortes como eu gosto, e senti uma verdadeira vontade de viver ali, mesmo sem um bom jardim. Até as lojas de farrapos pareciam estabelecimentos bonitos, a rua estava limpa, muito movimento para cima e para baixo, estudantes, pessoas, famílias e miúdos atrás dos gatos.
Visitei uma papelaria já em Mouzinho da Silveira e também lá encontrei pessoas contentes com o seu trabalho, dispostas a mostrar-me tudo dentro da linha que eu estava a consultar, pessoas simples afectuosas, que nos representam muito bem, pessoas que não querem vender gato por lebre e procuram melhorar a sua oferta a cada observação que se faça ao produto.
Fiquei muito animada, tenho por certo que todos aqueles que estão agora a ver o panorama negro se sentiriam melhor se visitassem essa rua. No que a mim diz respeito, tenho a dizer-vos que é destes comerciantes que quero estar rodeada, é deste tipo de qualidade e vivência onde gostava de exercer a minha profissão. Na Boavista todos os comerciantes estão tristes, do meio da rua olho para a Praça da República e vejo a degradação a aproximar-se, sinto-a nos contactos, e também fico triste, é como se fosse uma bola de neve de sentimentos sociais contagiosos, e o pior é que este ambiente não é passageiro, tenho a certeza que veio para ficar.
Por isso, e chamem a isto demagogia, ou coisa naif como diz o Rui Valente, mas a Baixa do Porto é o único sítio ao momento capaz de oferecer um panorama social criativo e alternativo à vulgaridade e desmazelo do resto da cidade. É um verdadeiro exemplo, até as conversas são diferentes, interessantes porque anda por ali muita gente animada. Para além disso tenho que admitir que gosto sobretudo de ver os pedreiros nos alçados, de lápis na orelha, a tirar mestras a olho piscado, uma mão trincha outra na padieira, com boinas à Che Guevara, já não via isso há séculos, essa vontade de cada um fazer o que pode pela cidade.
Bem, mas não há nada como vocês próprios verificarem, acreditem vale a pena ir lá, a Rua das Flores dispõe de um vasto leque de entretenimento, qualidade e garra, que já se perdeu nas restantes ruas da cidade.
E, caro Tiago, a nossa próxima reunião tem que ser num desses tasquinhos da Rua das Flores.
Um abraço a todos.
Cristina Santos