De: Pulido Valente - "Continuando sem insistir"

Submetido por taf em Sábado, 2013-11-23 23:55

Entendo que as intervenções meritórias, sobretudo as da Paula Morais, não tocam no essencial do assunto. Uma das participações remete para a ética e para a moral, neste caso deontologia, e é nesse campo que se deve situar a conversa desde que se faça a ligação com a prática existente nas câmaras no que à "apreciação" dos processos diz respeito, pois é aí que a ética e a deontologia se devem aplicar.

Se um arquitecto é superior hierárquico de um ou mais funcionários que intervêm na "apreciação" dos processos ou no "desenho urbano", estes não estão livres para exercer a sua função pois todos, os que tenho conhecido, se submetem àquilo que pensam que ele quer ou àquilo que ele diz que pensa, com medo de ir para a prateleira. Os funcionários neste estado de coisas são dependentes da cadeia hierárquica e tornam-se subservientes, desleixados, omissos ou burocratas na maioria das vezes. E tornam-se burocratas porque assim deixam de pensar como arquitectos ou seja lá o que forem, pois têm a certeza que na interpretação das leis e regulamentos os superiores não lhes "podem ir à mão" uma vez que ninguém nas câmaras, até os advogados na sua maioria, sabe de Direito Administrativo o suficiente para ser útil e resolver bem os assuntos. Nas câmaras de uma maneira geral ninguém está à altura de aplicar as leis convenientemente. Em cinquenta anos ainda não encontrei um caso nos advogados que deram pareceres a pedido dos serviços. O que dá para pensar quais serão as razões.

Daí que se um vereador ou familiar apresentar processos nas câmaras se admita, sem correr o risco de errar, que os funcionários não são livres nem independentes quando "apreciam" esses processos. Portanto contrariamente ao que o Tiago e outros dizem não basta o escrutínio público da pessoa do vereador, o que parece uma ideia estúpida dado os exemplos numerosíssimos de criminosos ampla e publicamente denunciados que continuam a exercer cargos públicos e de poder político. O juiz que mandou a criança violada pelo pai... para casa do pai com ele em liberdade continua na mesma. De nada valeu que a opinião pública se tenha escandalizado! Cheira a esturro quando os cidadãos se põem a apelar para os "direitos democráticos" e para as virtudes da "democracia". Qual? Aquilo que temos não é uma democracia. Não finjam. Tenham a coragem de assumir que nos deixamos enrolar nesta trapalhada por falta de coragem e por acomodação subserviente.

A utilidade desta conversa reside no papel que pode ter para que as leis e regulamentos sejam alterados de modo a que o funcionamento das câmaras e não só passe a ser escorreito, produtivo e leal para com os cidadãos. Coisas que não é.

Há anos que batalho para que a apreciação dos processos por parte das câmaras seja feito sem fazer depender o pagamento das taxas da aprovação do processo. Entrega-se o processo, pagam-se as taxas e vai-se fazer a obra. A câmara fica com tempo suficiente para estudar o processo, visitar a obra e fazer os autos que entender ser seu dever fazer sem prejudicar o andamento da construção. Caberá ao proprietário/dono da obra suspender as obras se não confiar no arquitecto ou na justiça, e esperar que esta dê o seu veredicto. O que lhe dará o direito a pedir uma indemnização à câmara quando vença o pleito. Só assim se entendem os termos de responsabilidade que integram os processos. Só assim se entende uma boa relação arquitecto/cliente. Só assim se dá solução democrática a estas situações.

Quando as coisas forem postas nestes termos os funcionários das câmaras vão ver-se em palpos de aranha para processar o arquitecto e ou o vereador (ou seu familiar) se forem autores do projecto ou promotores imobiliários. O que nos leva a concluir que nunca um arquitecto exercendo a profissão liberal deve acumular com a vereação a tempo inteiro. E se for promotor imobiliário basta não promover no concelho? Acresce que estando de acordo com as directivas da ordem, outra coisa não podia ser: um arquitecto é sempre arquitecto seja em que trabalho for e é por isso que tantos são escolhidos para vereadores. Portanto no papel de vereador o arquitecto deve exercer a profissão por inteiro e aí entra o código deontológico que o impede de julgar o trabalho do colega quer sob o aspecto estético quer sobre outro qualquer já que não tem preparação nem formação para intervir em outras áreas. E não pode orientar um projecto ou plano da câmara porque estará a fazer concorrência desleal aos colegas na profissão liberal.

Claro que a solução de as câmaras liquidarem as taxas e ficarem com o encargo de intervir na obra e processar os arquitectos e dono de obra que considerem que não cumprem a lei obriga a ter gabinetes de advogados peritos em direito administrativo que saibam ler um projecto. Caso contrário, a ser tudo feito com pessoal das câmaras, invertia-se o procedimento e seria o arquitecto que ia ler os projectos e explicá-los ao advogado o que redundaria em duplicação de funcionários. A solução é o advogado socorrer-se do autor do projecto e com ele conversar sobre o processo de modo a ambos aproveitarem com a troca de pontos de vista próprios de cada profissão. Assim será instituído um procedimento democrático.

Pois, pois, a "democracia" fez um lindo serviço! Pois, pois.
JPV