De: Judite Maia Moura - "Escarpa do Rio Douro II"
Continuamos o nosso percurso.
Ultrapassado “o portão”, e depois de acabado o Bairro da Agra, o rio, com todo o seu encanto, torna-se visível. Do nosso lado direito, a dureza dos suportes de betão da continuação da Ponte São João, mas, por trás deles, meio escondidos, estão os belíssimos arcos em pedra, que suportavam a continuação da Ponte D. Maria, certamente com tantos anos quantos os que ela própria tem, ou seja, a caminhar para os 150. À nossa esquerda, já com o rio à vista, ali mesmo em baixo, está a urbanização da Rua de Sabrosa, com a Calçada do Rego Lameiro passando-lhe mesmo ao lado, e esgueirando-se, logo a seguir, por baixo da nossa linha férrea. Por entre os suportes das pontes, consegue-se descer até à Calçada e, subindo-a, rapidamente chegámos à Travessa da China e, com mais um pouquinho, estaremos na Rua do Freixo.
Durante umas centenas de metros, a partir do portão, há um caminho paralelo à linha férrea, num nível ligeiramente mais elevado e ainda mais próximo dos suportes das pontes, onde se podem ver alguns vestígios de asfalto, o que nos faz crer que sejam ainda restos da Rua da China, que foi destruída na sua quase totalidade aquando da construção da Ponte de São João, altura em foi também demolido o Bairro da China, que ocupava o espaço denominado Quinta da China. Neste caminho aparece-nos, um pouco mais à frente, um túnel, à nossa direita, que também não resistimos a explorar, e que não é mais do que uma ruela que vai desembocar, também ela, na Travessa da China.
Pelo que conseguimos apurar, todo aquele terreno, conhecido como a Quinta da China, com excepção de uma única casa na Calçada do Rego Lameiro, ainda habitada, é propriedade do Grupo Mota-Engil que, depois de grande polémica, tem mesmo projecto de urbanização aprovado, desde 2008, na Câmara Municipal do Porto. Neste espaço existe, aliás, uma meia dúzia de casas pré-fabricadas; foi-nos dito por um dos moradores que, aquando da demolição do Bairro da China, lhes foi perguntado se queriam dinheiro ou uma casa no mesmo local: “Dos 34 moradores, a maior parte quis o dinheiro; entretanto… o dinheiro foi-se-lhes, e nós, que quisemos uma casa, ficámos com a casa.”. E que vista privilegiada estas casas têm! Na parte inferior da Escarpa podem ver-se umas hortinhas privadas, provavelmente cultivadas por moradores ali vizinhos.
Continuando o percurso, e logo um pouquinho mais à frente, encontramos, também do lado esquerdo, um lindíssimo palacete, que data do século XVIII. Aí viveu Aurélia de Souza, já que, no século XIX, ao regressarem da América Latina, seus pais o compraram para sua residência e onde veio a falecer, em 1960, sua irmã Sofia de Souza, também ela pintora, com 90 anos, eventualmente o último membro da família. Hoje este bonito palacete pertence à família Mota, proprietários de Mota-Engil. Pena é que, embora o portão de entrada para este palacete seja no pouco que ainda resta da Rua da China, olhando para ele pela Marginal tenha mesmo encostados ao seu terreno construções completamente em ruínas. E depois, a partir daqui, entramos na parte da Escarpa tristemente abandonada e, pior ainda, maltratada.
... Publicado também no site da AMO Portugal. Ver álbum de fotografias aqui.