De: Daniel Rodrigues - "Caro José Ferraz Alves"
Só posso lamentar que considere a minha resposta arrogante. Mas sou-lhe franco: foi sincera. Pode também considerar-me ignorante e mal-educado: é a sua opinião, quem me conhece sabe bem que pauto a minha vida pela procura do conhecimento e por procurar a elevação, ainda que não seja perfeito. Agora, mantenho tudo aquilo que me levou a responder-lhe:
- 1. Confunde pesquisa fundamental (em particular, a verificação da existência do bosão de Higgs) com o desenvolvimento de energias alternativas.
- 2. Mete no mesmo saco o CMS, uma colaboração internacional com um director por sinal Americano e por si referido, com uma suposta conspiração por parte de Portugal e Europa aos jovens portugueses.
- 3. Tece considerações sobre um jovem que "contactou todas as "grandes empresas portuguesas" (suponho que não tenha sido sobre o bosão de Higgs) e o CERN como o exemplo acabado de uma suposta inquisição realizada pelos responsáveis (do CERN? do Estado? das grandes Empresas? Um complot internacional contra o jovem em questão que sabe mais que o mundo inteiro?)
Ora, considerando os pontos acima referidos, friso:
- a) O CERN tem a missão claramente definida: Pesquisa fundamental [formular questões e procurar respostas sobre o Universo], Desenvolvimento Tecnológico [Alargar as fronteiras da tecnologia], Colaboração Internacional [procurar a paz através da ciência], Educação [treinar os cientistas do amanhã]
- b) Para executar a sua missão, tem processos claros, transparentes, abertos, ou não fosse no CERN que foi dado o passo final para a concretização da World Wide Web, e desenvolvidos os protocolos base que permitem a nossa comunicação através do blog "A Baixa do Porto"
- c) Por exemplo, vejo que continua a frisar que o director do CERN ou o seu pessoal não prestou qualquer atenção ao tal jovem do seu conhecimento. Acaso deu-se ao trabalho de se candidatar para um dos inúmeros programas, a diferentes níveis de educação, disponibilizados através do seu site cern.ch/jobs?
- d) Se a vontade do tal jovem é fazer ciência, e re-descobriu a pólvora, nem precisa de ir tão longe: basta ir discutir os seus achados com o pessoal do LIP ao Minho, Coimbra ou Lisboa. Também a UP dispõe de gente na área da física de partículas, e acredite em mim: estariam ansiosos por fazer publicações que levassem a sua instituição para a ribalta, e contratariam o jovem na hora.
- e) Se está categoricamente convicto, qual Galileo dos tempos modernos, nos seus achados, pode também submeter o seu paper a qualquer uma das milhentas conferências que ocorrerem anualmente sobre o assunto. Inclusive à tal conferência Australiana
- f) Está muito enganado se julga que a ciência opera através de achados e não de escrutínio. De nada serve uma descoberta se não for verificada pelos seus pares. Se o tal jovem não se apercebeu disso, e está a tentar começar a construir a casa pelo telhado (procurando por exemplo o director do CERN, que, muito sinteticamente, não tem quaisquer responsabilidade do foro científico) sem passar pelos filtros que existem para toda e qualquer carreira profissional, então das duas uma: ou faltam-lhe todo o tipo de "skills" humanos necessários a uma vida de sucesso e tem de trabalhar arduamente neles, ou é um sabichão convencido.
Concluindo, ambos os posts do José Ferraz Alves fazem sobressair o que de pior há na Sociedade Portuguesa: a teoria da conspiração, a incapacidade concretizadora, a exaltação paroquial. Não há quaisquer poderes instituídos no CERN, posso-lhe eu garantir: entre os colegas portugueses que aqui trabalham encontra-se gente de todas as origens, extractos sociais e especialidades profissionais. O CERN e os seus responsáveis não "fazem aos nossos jovens" absolutamente nada, nem os aconselham a emigrar: pelo contrário, anualmente, tem posições para centenas de jovens, que encontram aqui um ambiente único e entusiasmante para trabalhar, e é o centro fulcral de inúmeras colaborações intercontinentais para realizarem as suas pesquisas. Finalmente, o CERN é um laboratório: é um local para realizar experiências na área da Física de Partículas, e disponibiliza os seus serviços para, dentro do orçamento disponível, realizar as experiências desenhadas por cientistas de todo o mundo, que tenham sobrevivido a filtros, críticas (posso dizer-lhe, a maior parte delas, cruéis e impiedosas), insultos, revezes, postulações, estados de alma e dúvidas, postas pelos próprios, suas instituições, comunidade científica e até público em geral. Não pode é julgar é que a decisão sobre onde aplicar o dinheiro dos contribuintes seja feita tendo em conta apenas um e-mail enviado por um cientista que é muito considerado lá no burgo por um conhecido que escreve sobre ele num blog. Chama-se democracia, "accountability" e, arrisco-me a dizê-lo, respeito. Não o "respeitinho" português e paroquial, mas o Respeito advindo da humildade, do trabalho, da consideração que é devida a coisas que são maiores que nós.
Repito-lhe: quer criticar o CERN ou qualquer outra instituição, ou chamar-me ignorante, está no seu direito. Mas é meu dever dar conta de que tentar utilizar o CERN como exemplo acabado de "inquisição", "apego ao poder", ou "medo de mudanças", é um disparate. Para quem ainda tiver dúvidas, uma visita ao CERN e a conversa com qualquer dos cientistas portugueses ou estrangeiros que aqui trabalham está à distância de um bilhete de avião Porto-Genebra, ou de um clique no spin-off mais famoso do CERN: um URL.
Cumprimentos,
Daniel Rodrigues
PS: Naturalmente, a opinião que eu expresso não vincula de qualquer modo a instituição à qual com muito orgulho pertenço, nem deve ser interpretada como representativa das opiniões da sua direcção ou qualquer dos seus colaboradores. É a minha opinião, como cidadão livre.
PS2: Qualquer próximo esclarecimento dá-lo-ei pessoalmente ao José Ferraz Alves. Peço ao Tiago que considere este comentário como direito de resposta: preferia não ter de o fazer num fórum que se deve concentrar no essencial: uma discussão livre e elevada sobre os destinos da cidade do Porto e a região Norte.