De: Pedro Figueiredo - "Reabilitação urbana a custo chinês"

Submetido por taf em Sábado, 2011-12-03 23:22

No post sobre a conferência da Associação Infante D. Henrique, aparece referência ao Arq.º José Paixão, recentemente premiado com a sua ideia de arranjar um método para fazer "reabilitação a custo zero". A notícia do Porto24 diz:

"Rapidamente, perceberam que tinham que engendrar um “sistema colaborativo, em que todos ganham” e a “custo zero” – o “primeiro princípio”. Da ambição passaram ao projecto: uma associação com fins não lucrativos em que estudantes de arquitectura ou engenharia (portugueses ou estrangeiros) que trabalhassem com materiais doados por empresas. José Paixão explica que os estudantes ficam a ganhar porque têm uma “experiência” prática e envolvem-se num projecto de voluntariado. As empresas põem em prática a propalada responsabilidade social e podem deduzir os gastos no IRC. O único encargo para os senhorios será dar alojamento e alimentação aos estudantes voluntários."

- Empresas que doam materiais? Cuja única contrapartida seria pagarem menos IRC...

- Reabilitações efectuadas por associações com fins não lucrativos até podia ser, se essas empresas forem "Associações de Moradores em causa própria", Cooperativas de Habitação (empresa-cooperativa) ou o Estado enquanto empresa. De outro modo, não estou a ver que seja possível… Não estamos definitivamente numa fase de Socialismo utópico à Proudhon, Fourier ou Saint-Simon, do séc. XIX.

- Estudantes de Arquitectura ou Engenharia trabalharem de graça? (Chamemos-lhe "voluntariado".) Sim, infelizmente já existem e oficializados, os Estágios de Arquitectura, uns estágios muito mal pagos ("low-cost"), outros estágios até são feitos totalmente de graça, apesar de alguém ou algum gabinete lucrar com o produto desse trabalho gratuito… De facto, trabalhar de graça, só mesmo voluntariamente ou para auto-construção. Agora, trabalhar para outros a fazer projecto ou "obra" voluntária e gratuitamente?… Este "esquema" terá portanto algum futuro ou pernas para andar para poder ser generalizado enquanto sistema para baixar o preço das reabilitações? Dado que na nossa sociedade, e apesar do Liberalismo cada vez mais bárbaro, o trabalho pago ainda é um "dado adquirido civilizacional"? E podem estudantes exercer a profissão de arquitectos ainda e enquanto estudantes segundo as regras da Ordem dos Arquitectos? Não, não podem "exercer os actos da profissão"! Só quando terminarem o curso. E, digo eu, muito menos substituir o trabalho especializado de operários da construção civil (mas já chegámos à China?).

Eu acho que não basta "ter ideias". É preciso fazer o mais difícil: pensar num método que consiga resolver – mas, dentro das regras da civilização – em simultâneo um problema de emprego na área da construção e um problema social / de economia que é o problema da reabilitação / habitação… Vale tudo para se fazer baixar um preço? Não, não vale. "A força de trabalho é pois uma mercadoria, nem mais nem menos que o açúcar. Aquela mede-se com o relógio; esta, com a balança.(…) O valor de troca de uma mercadoria, avaliado em dinheiro é precisamente o que se chama o seu preço.“ (Marx em: "Trabalho assalariado e capital – salário, preço, lucro")

Infelizmente não posso ir à conferência da AIDH ouvir os argumentos a favor desta ideia, Talvez possa ser eu a precisar de contraditório que rebata os meus argumentos, eventualmente falíveis neste caso concreto. Se o Tiago convidar o grupo a assinar um post para A Baixa do Porto, seria interessante ouvir.

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Nota de TAF: Por coincidência, coloquei lá no debate precisamente esta questão de o projecto não ser minimamente "escalável". É bem vindo porque, se se recuperar um edifício ou dois, é menos um edifício ou dois degradado. E além disso os eventuais voluntários ficam a conhecer o meio, os problemas, as pessoas, para mais tarde fazerem um projecto "a sério". Mas este método supostamente a custo zero não é minimamente viável para 10 edifícios, 100 edifícios, 1000 edifícios. Também fiz o convite para que escrevessem n'A Baixa do Porto. Neste caso, Pedro, estamos sintonizados. :-) Lembro também este post do David Afonso e respectivos apontadores.