De: António Alves - "Estratégia, apartamentos, preconceitos ideológicos, autarcas inúteis e comboios"
A Cristina Santos recorreu às ciências da gestão para nos explicar o fracasso da venda dos apartamentos recuperados do Corpo da Guarda. À lupa dessas disciplinas a sua explicação é bem conseguida. Mas essa explicação poderá apenas colocar-se a jusante do problema, i.e., a colocação no mercado do produto que se pretende vender. Na realidade, a explicação - a montante - para esta questão não deve procurar-se na Gestão mas sim na Ciência Política e na Sociologia. A SRU, derivado da política camarária para a recuperação e repovoamento da Baixa de Zona Histórica, sofre de um pecado original: esta câmara, ideologicamente de direita, e com uma visão classista da sociedade, não gosta dos actuais moradores do núcleo da urbe tripeira e nem sequer da enorme mole, agora suburbana, que paulatinamente tem abandonado a cidade (60 mil durante o reinado do actual regedor). Acha-os feios, porcos e maus. Pretende substituí-los por gente mais afluente, mais "bonita", mais "civilizada". Daí que os apartamentos por ela recuperados custem o que custam. Pretende seleccionar os candidatos pela carteira não correndo assim riscos. A verdade é esta: a SRU está apostada num processo de gentrificação da Zona Histórica. O problema é não haver gentries suficientes, ou estes, que não são estúpidos, não reconhecerem qualquer vantagem competitiva àqueles apartamentos quando comparados com a qualidade de vida que lhes pode oferecer a Foz ou, até, Leça da Palmeira. E aqui sim, coloca-se a explicação dada pela Cristina Santos: a SRU não tem uma estratégia adequada ao seu público alvo. E não tem porque ela não é possível. A Baixa e a Zona Histórica nunca serão uma zona atractiva para as classes mais abastadas. Quando muito serão para um público ideologicamente comprometido com a recuperação urbana, de mentalidade e modo de vida mais ligado às artes e actividades criativas. Não para o comum burguês. Com esta estratégia o máximo que se conseguirá é criar algumas ilhas de riqueza isoladas num mar de pobreza e decadência.
A solução passa mais por estratégias low cost, como nos recomenda o Tiago, e por sistemas de microcrédito, tanto para proprietários descapitalizados como para inquilinos que queiram recuperar os interiores das suas habitações. A grande aposta deve ser no mercado de arrendamento e não na venda de apartamentos. A população que podemos recuperar é a dos filhos da classe média e média baixa que se deslocou para a subúrbia. Os pais já não voltam. Estão enterrados até às orelhas nos créditos que obtiveram para compra de apartamentos, moradias, e automóveis. Morrerão no subúrbio. O crédito fácil e barato acabou. E mesmo para gente mais endinheirada, adquirir um apartamento daqueles recorrendo ao crédito bancário, nos dias que correm, é uma aventura de alto risco.
No Ramal do Setil e parece que também em Beja, há boas notícias. A norte (com letra pequena) não se passa nada. Algumas câmaras julgam-se demasiado importantes para receber sindicatos e os agentes políticos em geral fazem-se notar apenas pelo seu silêncio ensurdecedor. Sevandijas dos directórios partidários que lhes "dão" o lugar não se atrevem ao mais pequeno protesto. Entretanto, o povo, vota maciçamente no homem que lhes matou 800 km de caminho-de-ferro. Cada um tem o que merece!
Bom fim de semana!