De: Pedro Figueiredo - "Produzir para viver"
1 - Os exemplos que o José Silva deu para exemplificar a dependência artificial e induzida de Portugal face ao "sector" Construção são alguns exemplos do sintoma da nossa incapacidade de "Produzir para Viver". "Produzir para Viver" é o título de um livro de Boaventura de Sousa Santos sobre os objectivos reais do acto de "Produzir", sobretudo nos modos de produção Capitalista, Cooperativo, Socialista, etc.... "Produzir para quê?", "Produzir para quem?", "Produzir para viver?".
Aproveitaremos esta "crise" de sobreprodução para mudar mesmo os paradigmas que a provocaram, ou ficaremos pela rama? Sem alterar a filosofia do modo de produção da nossa sociedade? (Sobreprodução de casas, sobreprodução de crédito, sobreprodução de bens, produção fictícia de expectativas / especulação). Marx e outros falam das crises cíclicas da Sobreprodução Capitalista. Provavelmente com bastante razão, apesar de a espuma dos dias que corre pelos telejornais fora raramente "atingir" o que é que deve ser discutido e posto em causa. O "sistema" está em causa, e o sistema são vários sistemas ao mesmo tempo. E vários sistemas ao mesmo tempo em vários lugares diferentes. "Resolver" a crise será resolver várias crises ao mesmo tempo. Não será só sair da crise, mudar de governo. Virar o disco e tocar PSD não resolveu no passado nem virá a resolver nada no futuro próximo.
2 - Na Construção Civil / Imobiliário em Portugal, como noutras áreas, "já" não se produz para viver (alguma vez se fez?)
Crise de Sobreprodução do Capitalismo "de Estado":
A - Produzimos mais autoestradas não porque precisemos, mas para alimentar a MotaEngil (arguida por fraude ao Estado, processo Furacão) e a Estradas de Portugal...
B - Produzimos mais barragens não porque precisemos, mas para alimentar a EDP e alguma outra construtora...
Crise de Sobreprodução do Capitalismo Financeiro / Imobiliário / Construção
A - Produzimos estádios, para alimentar outras empresas de construção civil... Agora a Câmara de Aveiro mandou cortar a luz do estádio, porque já não consegue pagar os elevados custoa da "manutenção" desse inútil elefante branco... como seria de espaerar. Obrigado, Portugueses que gostam de Futebol!... Por aceitarem passivamente que paguemos os vossos gostos a alto preço, e por darem tudo o que têm e que os vossos compatriotas possuem ao grande Deus da Bola... À conta dos estádios...
B – Produzimos edifícios, não para resolver o problema dos que não têm casa, para lhes darmos ou vendermos habitações, mas produzimos essas casas para alimentar bancos, empresas imobiliárias e empresas construtoras. No fim, quem precisava de casa continuará sem ela. E os milhares de lotes e loteamentos entretanto construídos provavelmente ficarão também estes vazios, nem aproveitados pelos tais bancos e empresas, embora tenham lucrado entretanto com a sua produção, crédito, etc... Em Portugal são 1.500.000 casas vazias. Ver os textos de Pedro Bingre...
C - A maneira de pensar é, portanto, essencial. Nunca gostámos muito de "Filosofia" em Portugal. Em bom Português dizer que alguém é intelectual sabemos que é talvez o pior dos insultos. Em bom Português "filosofar" é quase o mesmo que dizer coisas sem sentido... Pois agora, Portugueses, precisamos de ter sentido crítico, criatividade, reflectir sobre as coisas com espírito crítico... Armas para não afundarmos. Na televisão francesa os debates que vejo não são pela mesma bitola dos nossos. Cá os debates em geral são com um representante de cada partido. Na "francesa" é com um representante de cada "inteligência": Um sociólogo, um filósofo, um economista, etc... Outro paradigma. Já não sou do tempo do Processo Revolucionário em Curso, mas tudo o que leio e ouço sobre as Reformas e Revoluções, feitas em "Estilo Português" em apenas um ano e meio, fazem-me pensar que crises políticas como a crise política PREC são crises que vale a pena voltar a fazer, com óbvio sentido crítico e "adaptação" aos problemas de hoje. Acho que nunca teremos sido tão pragmáticos em Portugal como no PREC: "Produzir para viver", essa ideia simples e básica, Socialista (mas não Estalinista), sem submissão à Utopia Liberal e às suas ideias impossíveis como alcançar e manter "números" de produção insustentáveis, a cada Português um automóvel, a cada Português um crédito de casa e cinco créditos de "consumo"... As ilusões do costume que não produzem mais, não aumentam a economia. Servem objectivos pessoais de empresários, banqueiros e políticos para repartirem entre si os lucros. Quem realizou essas mais-valias não vai ter a sua quota-parte do benefício da produção... Eu produzo 90% da mais-valia do "produto" e só vou receber 10% do seu valor em "salário" ou afins... Produzir para viver? Vivemos abaixo das nossas possibilidades, em geral, isso sim... E com baixos salários só podemos ser donos de coisas, objectos e casas através do crédito... voltamos a ser escravos e dependentes.
D - Em 1,5 anos, entre Abril de 74 e Novembro de 75 fizeram-se reformas de Estado:
- 1 - Nacionalização da Banca para que controlemos o dinheiro que nos "alimenta".
- 2 - Reforma Agrária em moldes cooperativos para que a terra seja de quem a trabalha e para se produzir para viver.
- 3 - Autogestão em muitas empresas para que quem produz participe dos lucros e das decisões, produzindo para viver.
- 4 - Um programa prático e intenso de construção de casas mesmo para habitar (não para especular, fechadas) – o SAAL, com ligeireza, rapidez, ocupação dos centros da cidade, participação colectiva, pragmatismo sem Munícipios nem "Estado Local" a atrapalhar.
É deste tipo de "ideias" simples, neste e noutros moldes que a política vai ter de ter de dar resposta num futuro bem próximo. Nunca fomos tão felizes como em 75, não foi? E preferimos trocar a 25 de Novembro, o pragmatismo social e entretanto a criatividade descoberta por esta alternância votada e sem saída PS/PSD,... até hoje...? Está sempre alguém na televisão, à vez cada um – ora um político, ora um analista, ora um economista, a repetir até ser verdade, até à exaustão, que sou eu, Pedro Figueiredo, e mais a "minha" geração (nascidos em 1975, recibos verdes) que vamos pagar a Crise... Que vamos pagar a crise. E voltam a repetir: "O Pedro Figueiredo é que vai pagar a crise". E repetem outra vez ainda:"O Pedro Figueiredo é que vai pagar a crise". Mas fui eu que inventei por acaso as razões da crise? E o fantasticamente frágil, iníquo e ineficiente sistema financeiro, quer o nacional quer o internacional? Em Portugal, temos assim tanto medo de uma nova "crise política"? E se essa crise política se chamar "novo PREC"?... em vez da crise política "novo PEC"?