De: Luís Bonifácio - "Bitola Europeia e outras intermodalidades"
A questão colocada por José Silva é pertinente, mas a mudança de Bitola é muito mais complicada do que à primeira vista parece ser.
Os estudos iniciais dos Caminhos de Ferro em Portugal apontavam para a bitola europeia (1435 mm). Estes estudos tiveram que ser alterados pois os Espanhóis optaram pela bitola alargada (1668 mm) devido a terem medo de hipotéticas invasões Francesas via Caminho de Ferro. Actualmente este tipo de bitola é usado na Península Ibérica, Rússia e Brasil e provavelmente noutros países que desconheço.
Existem várias dificuldades em alterar a bitola.
A primeira é o seu custo, pois implica uma linha 100% nova e alterações em todo o material circulante.
A segunda é que a alteração da bitola só pode ser feita se a Espanha alterar também, e Espanha não o vai fazer pelo motivo do custo e...
Porque tal faria com que os Portos Portugueses entrassem em competição com o Porto de Barcelona, que possui ligação a França em Bitola Europeia, graças a isso e a um esquema de funcionamento que roça a ilegalidade*, dá muito dinheiro a ganhar a muito "buena" gente. É por este motivo que Espanha não quer ouvir falar em linha de TGV de mercadorias Sines-França (Via Salamanca) e por isso a nossa ligação TGV tem paragem em Madrid (E talvez implique mudança de estação para ir para Paris).
Caro José, a questão de mudar a bitola para que o metro possa circular na linha de Leixões é completamente descabida, pois está a esquecer-se da alimentação eléctrica! Existem vários sistemas de alimentação eléctrica:
- Corrente Contínua
750 V - Usado pelo metro do Porto e por quase todos os sistemas eléctricos citadinos e algumas linhas de comboio.
1500 V - O primeiro a ser desenvolvido (início séc. XX) para comboios eléctricos e usado em Espanha com excepção das linhas de Alta Velocidade. Em Portugal é usado na Linha de Cascais (1925).
O sistema alimentado a corrente contínua é bom para pequenos sistemas, mas desde os anos 60 altamente ineficiente em longas distâncias.
- Corrente Alterna
25 000 V/50 HZ - Desenvolvido na Suiça no início dos anos 50 e adoptado na electrificação da CP em meados dos anos 50. Uma excelente aposta dado que apenas 10 anos mais tarde esta nova tecnologia se tornou mais eficiente que a de alimentação por corrente continua. As linhas de TGV utilizam este sistema de alimentação eléctrica.
Assim sendo não podem circular comboios eléctricos e metro na mesma linha, pois possuem diferentes tipos de alimentação eléctrica E nenhum comboio pode usar a linha do metro do Porto, caso contrário a linha afundaria devido ao excesso de peso, para já não falar em questões de segurança relacionadas com a velocidade de operação/distância de paragem de um comboio pesado/metro ligeiro. E não faz sentido que um comboio de alta velocidade circule as últimas dezenas de Km a passo de caracol. O Conceito de Comboio de Alta Velocidade é: a Alta Velocidade (> 200 Km/h) do centro de uma cidade ao centro de outra cidade. Só assim consegue competir com o avião (o seu objectivo primário).
O mesmo se coloca relativamente a Portugal/Espanha. A alimentação eléctrica em Espanha (1500 V DC) é distinta da Portuguesa (25 000 V AC) pelo que uma máquina eléctrica da CP não pode operar em Espanha e vice-versa. Os sistemas de sinalização são diferentes em Portugal e Espanha e em quase todos países da Europa.
Em suma não há livre circulação de comboios (nem de cargas ferroviárias) na União europeia.
*- o Porto de Barcelona por exemplo, impõe a utilização de uma e uma só empresa de transportes aos transitários (regra não escrita). Há dois anos atrás um transitário Português enviou 2 camiões de uma empresa Portuguesa buscar uma carga que tinha sido desviada para Barcelona. Um dos camiões ainda conseguiu andar 100 m dentro das instalações do Porto antes de ser incendiado. O segundo fez meia volta e abandonou as instalações debaixo de tiros. Como é natural nestes casos em Espanha, o inquérito policial nada apurou.
Luís Bonifácio