De: Hélder Sousa - "A gestão privada vs concessão a privados"
Caro TAF
Concordo com a sua questão da boa fé. Concordo também que o princípio da gestão privada não é em si um mal, pelo contrário.
Mas o que neste caso se discute não é a gestão privada do Rivoli. As palavras são demasiado fáceis de escutar e são também demasiado importantes para não se perceberem. Trata-se antes de concessionar um equipamento público, pago com dinheiros públicos a uma entidade privada, completamente alheia às estruturas públicas que criaram esse equipamento, pedindo como contrapartidas uma ‘animação’ mais eficaz do espaço.
Ora, por ‘animação’ do espaço – do Rivoli, neste caso – todos entendemos coisas diferentes. Eu tenho para mim, com toda a modéstia e tentando usar palavras simples, que o Estado ou a autarquia tem que ter um papel fundamental nessa animação, proporcionando ao público português – mesmo que sejam imensas minorias – objectos culturais que as entidades privadas – ou o comércio e a indústria cultural – não podem proporcionar, precisamente porque não são lucrativas e ninguém pode pedir a uma entidade privada que perca dinheiro em prol do serviço público. Mas eu pago impostos (todos em dia e não são poucos!) e sinto-me no direito de pedir ao Estado português que me proporcione manifestações artísticas e culturais para minha fruição às quais eu não consigo ter acesso de outra forma. Porque nenhuma entidade privada vai trazer ao Porto um espectáculo da Companhia Rosas, por exemplo, porque iria perder dinheiro. Nunca me passaria pela cabeça pedir ao Estado português que me proporcionasse um concerto do Caetano Veloso ou do Nick Cave, porque as entidades privadas podem fazer isso e rentabilizarão comercialmente o evento.
Acho que estou a ser claro.
As minorias (ou como se diz neste executivo, as elites), também têm que ser protegidas e não podemos deixar que a oferta cultural seja só para o grande público. Porque determinada linha do autocarro tem poucos passageiros – insuficientes para pagar o autocarro que por lá passa – não se acaba com ela e se obriga os passageiros que a utilizam a andar a pé.
Se não me engano, existe um termo chamado ‘indemnizações compensatórias’ que define os complementos de orçamento que empresas privadas, público-privadas, ou empresas públicas de direito privado (as tais gestões privadas), recebem do estado para conseguirem prestar o chamado serviço público, independentemente das receitas serem ou não maiores que as despesas.
Voltando atrás.
A entidade privada que vier a gerir o Rivoli terá de enfrentar um leque de exigências ‘lucrativas’ que afastam qualquer possibilidade de serviço público e, muito provavelmente, qualquer compromisso que se possa fazer entre serviço público e actividades de índole comercial. Como acontece, por exemplo no Teatro S. Luiz em Lisboa. (este exemplo já foi aliás referido por uma produtora privada de espectáculos no JN).
Donde se conclui que só será possível a um privado manter um equipamento daquele tamanho e com aquelas exigências ridículas – mesmo muito ridículas, para qualquer pessoa que perceba minimamente da gestão de um espaço cultural – recorrendo a espectáculos para grande público e concertos que normalmente já enchem o Coliseu. Ora, isso já temos sem recorrer aos meus e aos seus impostos. Porque o mercado se encarrega disso.
Eu gostava de ter um Rivoli que não pensasse no mercado e para isso preferia que os meus e os seus impostos fossem um bocadinho melhor geridos pelos governantes, porque se o dinheiro não dá para tudo a culpa não é minha. Mas sou eu que sofro por não chegar para tudo. Inclusive por não chegar para os polícias que patrulham o meu bairro (o Aleixo, é verdade), impedirem que eu tenha todos os dias à minha porta meia dúzia de junkies (aos quais trato pelo nome) muito bem educados que me pedem desculpa, ‘mas tem que ser ali, porque vinte metros à frente a polícia já os chateia.’
Já estou a mudar de assunto… É da tristeza!
Até breve.
Hélder Sousa
PS.: Este assunto é, na minha opinião, bastante mais importante para a tão falada dinamização e reabilitação da Baixa do que muitos outros que ocupam mais as pessoas. Um Rivoli referência na cidade e no país, a par de um Teatro Nacional S. João já referência, de um Coliseu sem preocupações com serviço público e para grandes públicos, até mesmo um Sá da Bandeira ocupado com outras periferias, o Batalha… enfim…. o Batalha podia ser uma boa petisqueira regional, tudo isto faria com que tudo o resto se resolvesse muito mais facilmente. Mas é tudo tão difícil…