De: Marília Silva - "A propósito d«O Sobrepeso do Estado»"
Decidi aceitar o desafio que me lançou quando assistimos à “conversa com” o Dr. Miguel Cadilhe, na Cooperativa Árvore, a propósito da publicação do livro “O Sobrepeso do Estado em Portugal”.
Confesso que não li, mas o excelente resumo do Dr. Rui Moreira espicaçou-me a curiosidade e irei, com certeza, lê-lo.
A problemática do peso da Administração Pública na Economia tem sido debatida por diferentes órgãos de comunicação social, normalmente por especialistas que abordam a questão do “lado de fora,”e de “forma macro,” e “nunca do lado de dentro” e de “ forma micro”, sem se preocuparem em saber o que é, e como funciona a Administração Pública.
Tentarei dar o meu contributo, que é o resultado de quem vive, e sofre, por dentro a Administração Pública ao nível regional. É esta a minha escala e o meu laboratório de análise, contínua e sistemática. Não vou ser exaustiva, para não ser maçadora, mas tentarei ser clara e concreta.
O que se passa...
Costumo afirmar que venha quem vier, enquanto o Governo não alterar as regras de recrutamento e avaliação (que só existe no papel) das chefias intermédias, não conseguirá levar, a bom porto, qualquer política de aumento de produtividade e eficácia, realizar qualquer alteração, ou mudar regras na Administração Pública, tendentes à sua modernização, acompanhada de simplificação de processos, etc., ou seja, o tão propalado aumento de eficiência e qualidade das instituições públicas.
Por vezes, existem boas ideias de diminuição dos “custos de contexto”, mas quando se pretendem concretizar, burocratizam-se a tal ponto que se tornam processos dispendiosos e morosos desviando-se dos seus objectivos.
De há 10/15 anos a esta parte, ascende a cargo de chefia intermédio quem:
- Pertencer ao aparelho partidário do Governo em exercício (filha/o do Sr. Dr. X, do partido A ou B);
- Pertencer à Opus Dei e ou à Maçonaria
- Ter nome de família sonante na “praça”.
Mérito? Qualificações profissionais? Aptidões? São requisitos de recrutamento desconhecidos.
O Funcionário que realiza um bom trabalho; que demonstra conhecimento; que tem iniciativa; que é pró-activo; que tem ideias; que quer mudar e sabe como fazê-lo, é “cilindrado” através de acções diversas, mais mesquinhas ou menos mesquinhas.
As propostas, que possam apresentar, tendentes a melhorar o sistema e a capacidade de resolução têm, como resposta ”Tem que se ver”, “Não é oportuno”, enquanto se ouve os requerentes a queixarem-se da morosidade na obtenção dos licenciamentos, pareceres, etc.
Por outro lado é-lhes dificultado o acesso à informação, à formação e, se têm o mérito de se aperceberem de irregularidades e procuram corrigir procedimentos, essas meritosas acções, são desvalorizadas, mal entendidas e mal interpretadas.
Estes”valores” estes comportamentos existem, aplicam-se e reproduzem-se constantemente. É considerado um procedimento normal, natural e nunca questionável (ou não houvesse o dever de obediência).
Dinâmica institucional.
Muda o governo. As chefias que, até então, ocupavam o segundo plano, passam para o topo, e as que estavam no topo, passam para segundo plano, já não se integrando nos núcleos orgânicos do serviço donde emanaram, aglomeram-se num estatuto de privilégios especial (não picam o ponto, não aparecem no serviço todos os dias, não fazem trabalho burocrático). Formam uma classe especial - “ a classe dos Assessores”).
E assim se vai reproduzindo, década após década, o sistema.
Sabiam que se distorce a racionalidade da estrutura organizativa dos serviços para encaixar quem se quer colocar em Chefia?
A teia que dificulta a mudança.
Com o passar dos anos, parece formar-se uma couraça, uma espessura institucional impenetrável, onde a informação é triáda, e só é transmitida aquela que querem que transite para o topo ou para a base, dos diferentes níveis administrativos.
Parece existir um acordo de cavalheiros nesta espessura institucional onde, de facto, a mudança não tem lugar a não ser para entretecer, ainda mais, a estrutura. E mesmo quando cometem acções graves, não apresentam resultados, etc., branqueiam os erros e encobrem-se todos uns aos outros, mantendo-se, assim, incólumes, ano após ano.
A informação, mesmo a de natureza técnica, só é transmitida “às bases”quando lhes convém e, ao patamar seguinte da hierarquia, o que esta quer ouvir. Estes procedimentos generalizados impedem que a chefia máxima do serviço (de nomeação, em regra, por confiança política) saiba ou se aperceba dos problemas e actue em conformidade, corrigindo o que, de facto, corre mal.
Normalmente, um problema ao nível das chefias intermédias demora, em média, 9/10 anos a ser resolvido.
Para se entender este tempo de acção/reacção, tenha-se em conta que, as chefias intermédias, se regem por os três princípios básicos de actuação - “O adia”, “O demite-se” e “O transfere”-, entendidos da seguinte forma:
- O adiamento consiste em adiar, indefinidamente, a tomada de decisão; não porque não seja oportuno ou necessário tomá-la; é mesmo porque não sabem ou porque podem ser postos em causa;
- A auto-demissão consiste em nunca ser nada com ela, ou é com a chefia/Organismo de cima, ou com a de baixo:
- A transferência consiste em nunca assumir responsabilidades próprias, transferindo-as para o outro, o que está ao lado, acima, abaixo; ou outro qualquer.
O que é dramático é que a Administração Pública existe para decidir....as questões que vai estando à espera que os cidadãos lhe coloquem.
O nosso papel deveria ser bem outro: estar ao serviço das populações, ajudando-as a garantir um futuro sustentável e não, tão só, assegurar os procedimentos administrativos, repletos de tarefas inúteis e dos quais nem partido se retira para melhorar a prestação de serviços.
Que avaliação tem esta espessura institucional?
Quando se pergunta que resultados obtiveram durante os seus “longos reinados” como, por exemplo, um trabalho que tenham realizado e ficado na memória por ter contribuído para alguma coisa; uma proposta mais arrojada que tenha feito doutrina, que tenha melhorado a qualidade de serviços a prestar à sociedade, ao empresário, ou mesmo à Instituição. As respostas não aparecem... porque não existem. Onde estão os resultados dos projectos financiados pelo PIDDAC que se propuseram e se coordenaram?
O “Visto Concordo, à Consideração Superior” e o cumprimento “Do Decreto” são as suas preocupações, procurando até, condicionar previamente, os pareceres técnicos, por forma a só terem de dizer isso.
Penso que só uma avaliação independente, com peritos internacionais, poderia pôr cobro a esta “contaminação”.
...e como se trabalha!
Também a forma como se trabalha, não permitirá aumentos de produtividade e eficácia. Face às tecnologias existentes, já se poderia ter atingido níveis muito mais elevados de qualidade do serviço público.
Como se explica que uma organização, que licencia actividades, não saiba onde se localizam essas actividades? Como é possível que aplique a legislação A, ou B e não se saiba que resultados se estão a obter, de molde a avaliar as suas vulnerabilidades e ir modelando a regulamentação, tornando-a mais eficaz.
Que resultados?
Enfim, face a este modelo de recrutamento de gestores, de funcionamento das instituições, da forma de trabalhar e dos valores existentes, como se pode ser eficaz e produtivo? Como administrar de forma rápida e eficaz?
Perguntar-me-ão: porque não questionar estes modelos de actuação dentro da Instituição?
Mas que mecanismos tem a Administração Pública para que isso aconteça? Qualquer iniciativa individual é suicídio do Funcionário.
Mas, é aos funcionários que é pedido que paguem a factura deste desvario de décadas...
“Neste momento não há ascensão nas carreiras” - Decretou o Governo- mas esta decisão só afecta os trabalhadores, pois, as chefias continuam a progredir automaticamente, de três em três anos, sem concurso, nem avaliação do resultado do trabalho realizado e das opções feitas, (já estão todos no topo das respectivas carreiras). Continuam com as mesmas regalias, a presidir às mesmas comissões onde, só por estarem presentes, já são remuneradas (extra-ordenado, obviamente).
Para os funcionários, contrariamente ao que é veiculado pelos média, a progressão na carreira é feita em sede de concurso, são classificados todos os anos, sem objectividade nem independência, mais dependente das ” intrigas da corte” do que do mérito e trabalho efectivamente realizado.
A responsabilidade pela situação da Administração Pública Portuguesa é das Chefias (Chefes de Divisão, Directores de Serviço, Sub Directores, Directores, e restante panóplia da cargos intermédios).
Porquê esta estrutura institucional tão espessa?
Estão à frente dos Serviços, década após década, nunca lhes sendo pedidas contas, nunca sendo objecto de inspecções sobre o destino dos investimentos do PIDDAC gasto, da sua utilidade, etc.
Mas é ao comum Funcionário Público que são pedidos sacrifícios. Que paguem a crise? Quem quer mudar a estado das coisas? Os Partidos da área do poder implementaram este modelo para darem emprego, e formação, às suas clientelas políticas, à custa do erário público. Pedir-lhes contas? Seria por a nu estes procedimentos; isso, não interessa a quem detém o poder.
Este cenário, que se repete no espaço e no tempo de cada instituição, reflecte-se, negativamente, a nível global da sociedade, dada a generalizada aplicação que este modelo tem.
A solução “radical” apresentada pelo Sr. Dr. Miguel Cadilhe não afecta o modelo descrito. Ele surgirá de novo, provavelmente com outras roupagens. Penso que não será dispensando os Funcionários. (muito bem pagos com os recursos que Portugal amealhou) mas gerindo os Serviços de forma profissional, definindo-lhes objectivos e metas a atingir. Trabalhando de outra maneira, com a utilização massiva das novas tecnologias, despindo de tarefas inúteis os procedimentos administrativos e transformando a informação que veiculam em conhecimento, capaz de melhorar a qualidade e rapidez da resposta, etc., etc., etc.
E, à escala macro, porquê tanto Instituto Público? Porque é que um Organismo se segmentou em tantos Institutos Públicos/ Agências/Empresas Públicas, etc? Será porque estes têm sistemas remuneratórios bem melhores do que, o da tabela geral da função pública..além de permitirem mais cargos de chefia?
Penso que só depois de uma profunda revisão, e racionalização de todo este estado de coisas e da introdução de profundas transformações estruturais no Sector Público se deve utilizar o Ouro existente no Banco de Portugal para resolver as questão do peso do Estado na economia.
Racionalize-se e reduza-se o número de organismos existentes, a espessura institucional de chefias intermédias, que só criam ruído no sistema e não criam valor acrescentado, e coloquem-na a trabalhar. Mobilizem-se os funcionários para aprender, para evoluir e melhorar a performance do Serviço e, só isto, bastará para não ser necessário mobilizar recursos extraordinários para “emagrecer” a Administração Pública.
Para concluir gostaria de dizer o seguinte:
É muito duro ouvir os políticos e os”fazedores de opinião” falarem da Administração Pública, demonizando-a, mas servindo-se dela para os seus intentos.
Porto, 2006-03-22
Silva, M.L.