De: Paula Morais - "Um inquilino que não paga renda"

Submetido por taf em Quinta, 2006-07-13 23:58

Caros participantes

Tive hoje a oportunidade de descobrir que a cidade do Porto é uma das duas únicas cidades do País que mede os níveis de radioactividade natural presente na água canalizada. Apesar de se tratar de um assunto diferente daquele que tem sido debatido ultimamente aqui no blogue, fiquei com alguma vontade de partilhar esta minha descoberta, e, uma vez mais, utilizei o subterfúgio de um trocadilho no título do post para captar a vossa atenção ;-), afinal a nova “Lei das Rendas” acabou de entrar em vigor...

Concretamente o que é medido na água é a quantidade de radão (Radon-222, Rn), um gás radioactivo natural (parente do urânio), incolor, inodoro, e sem sabor, presente na água oriunda de nascentes radioactivas, e, também, nos solos e rochas graníticos, bem como, de acordo com algumas entidades com responsabilidades na matéria (como a EPA e o UNSCEAR), igualmente presente no ar interior de muitos edifícios, construídos com produtos de granito, ou implantados em solos deste material.

É pois precisamente este ponto, o radão presente no interior de edifícios, o centro da minha reflexão. Sendo facilmente comprovável que a maior parte dos edifícios implantados na Baixa do Porto são constituídos por elementos de granito, estando também a maior parte deles implantados em solo granítico, penso estar assim justificada esta minha preocupação. Aliás, de acordo com a DECO-Proteste (em parceria com o INETI), o distrito do Porto faz parte das áreas que apresentam níveis elevados de concentração deste gás radioactivo.

De facto, com base no “princípio da precaução”, que se suporta na existência de potenciais riscos para a saúde humana derivados da inalação deste gás radioactivo (por exemplo, o aumento do risco de desenvolvimento de cancro do pulmão, principalmente para as crianças), a União Europeia também manifestou preocupações sobre o tema. Inclusive publicou em 1990 a Recomendação n.º 90/143/Euratom, relativa à protecção da população contra a exposição interior ao radão, e na qual apela para a adopção de boas práticas na construção e reabilitação de edifícios de forma a controlar os níveis de radioactividade provocada por este gás.

Apesar de não ter sido adoptada por nenhum documento legal em Portugal, um facto muito curioso, pelo menos para aqueles que estudaram os métodos e sistemas construtivos de alguns edifícios portuenses do século XIX, é que já nessa época, no Porto, as regras da arte de construir adoptavam as recomendações necessárias à protecção dos “problemas e riscos para a saúde das pessoas vindos do chão”, como me dizia um construtor civil portuense com 98 anos de idade e 91 de experiência na área da construção de edifícios. Esse sistema construtivo consistia na sobrelevação do edifício em relação ao solo, através da construção de uma cave, geralmente com um pé-direito muito baixo (inferior a 2 metros), em cujas fachadas opostas se instalavam grelhas de ventilação permanente. Ou seja, exactamente o sistema recomendado um século depois pelas diferentes entidades (EPA e UE) para os edifícios sujeitos à presença do radão. Concordo pois com a Cristina, quando refere que o Porto tem “que crescer no mesmo sítio como uma árvore”, que temos de “alimentarmo-nos das raízes, da conservação do ar e do solo”, e acrescento, devemos também de olhar para o que temos e aprender com o nosso património.

Paula Morais
Arquitecta

Nota: Sobre o tema Porto+Gaia, limito-me a deixar um desenho que elaborei em 1992 para um exercício da disciplina de Desenho quando frequentava a faculdade de arquitectura. Naquela altura de forma inocente, e agora de forma mais consciente, continuo a entender, à semelhança do desenho, que se trata do mesmo território e do mesmo espaço físico (representados com o mesmo tipo de linha), como duas “fracções autónomas” pertencentes ao mesmo “condomínio”.

Porto+Gaia