De: José Ferraz Alves - "Sobre a gratuitidade dos transportes públicos: …há pessoas que não têm dinheiro para os pagar"
Podem não acreditar no que eu escrevo, e eu também tive dificuldade e tomei tempo para tomar consciência disso, mas é verdade. Nem todas as pessoas têm possibilidades de pagar os passes mensais, nem viagens a custos médios próximos dos 2 euros/pessoa. E que ficam presas, paradas. Com consequências pessoais e sociais. Também sei que compete a cada um resolver o seu drama pessoal. Mas há quem não o consiga, sem ajuda, e o fenómeno dos sem-abrigo resulta dessa demissão pessoal, de um baixar de braços. Compete a cada um fazer o que está ao alcance das suas responsabilidades e poderes. E às autarquias fazer o que está ao seu alcance. Podem dar um sinal e motivar num dado sentido. Induzir procura.
Aquilo que parece um custo pode ser um investimento, o que é bem diferente. E o resultado estará num maior dinamismo e mobilidade que se virá a repercutir noutros resultados, arrecadando mais receita fiscal precisamente junto do comércio e habitação. Peço que se confie em quem possa ter uma visão um pouco mais larga. Tem sido seguida uma visão economicista, espartilhada, estanque, em empresas de serviço autónomas e que buscam resultados sem a análise das diferentes externalidades e, sobretudo, dos efeitos a médio prazo.
Neste momento, em cada 100 de proveitos das empresas de transporte, mais de 70, em média, já são compensações do Orçamento de Estado. Só os 30 são resultados da receitas de tarifas. Acredito que as Administrações dos Serviços Públicos não gostem destas medidas, porque irão estar sentadas sobre menos dinheiro. Mas talvez seja a forma de se evitar escândalos como o da RAVE que, já tendo gasto 70 milhões de euros em estudos externos, ainda não descobriu que os comboios têm de circular em bitola europeia, ou dos 380 mil euros que a Administração da REFER vai gastar em estudos externos para uma nova política de horários… não sei se estou a ser claro no que pretendo transmitir, mas dê-se menos orçamento e poder a quem gere desta forma. Sobretudo, não se tire ao consumidor, a cada um de nós, que depois tem de pagar tudo isto.
Dou um outro exemplo: podemos concluir pela necessidade de demolição de algumas das Torres do Baixo do Aleixo, mas garanto que a diferença poderá estar nas razões pelas quais tomamos estas decisões, se para exterminar o tráfego de droga ou para tirar do isolamento idosos que não têm elevador a funcionar para os tirar do nono piso! Ou criticarmos o desempregado que gasta o RSI em meias de leite e bolas de Berlim, sem pensarmos que aquele pode ser o único momento de alegria que tem no dia, dado que vive em condições e num ambiente que o deprime.
Garanto que esta forma de ver as cidades, os seus problemas e as suas pessoas, resulta em comunidades bem diferentes. O melhor exemplo humano de diferença na gestão e na obtenção de resultados que conheço é o do Jaime Lerner e Curitiba… Já tinha escrito sobre o tema do direito à mobilidade das pessoas. A diferença está em que há pessoas que aceitam tomar as propostas dos outros sem querer saber de protagonismos e de paternalidades, e outros que só o fazem se isso permitir a sua evidenciação pessoal na busca de uma estátua na Terra. E que cidades diferentes teremos associadas a cada uma dessas pessoas.
José Ferraz Alves