De: José Machado de Castro - "O que é ser autarca? (ou de volta à Praça de Lisboa)"
Há quem defenda, mesmo após a crise económica e social que assola o mundo, que o Estado deve ser ”mínimo”. E o governo local também. Estas ideias, que se traduziram também no conceito da “Nova Gestão Pública” ou no triplo E – Economia, Eficiência, Eficácia – levaram ao desastre financeiro e social, até porque ignoraram as especificidades dos serviços públicos (a prossecução do interesse público e a observância dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, por exemplo) e os direitos da cidadania.
Um autarca, só por ser eleito, não se transforma no “dono” duma cidade. E para além das competências e atribuições que a Lei nº 159/99 confere aos eleitos locais, há obrigações básicas para um autarca: uma delas, apenas uma delas, é a de preservar e valorizar o património da cidade. E é essa a questão central que coloquei no texto “Porto, uma cidade saqueada”. É que 8 anos depois de Rui Rio ter ganho as eleições, o património público (de todos os cidadãos/ãs do Porto) diminuiu brutalmente (a perda de 200 milhões de euros é um número muito por baixo). E o dinheiro obtido pelas “transferências” de terrenos e imóveis para alguns (poucos) felizardos, esfumou-se nas controversas opções da coligação PSD/CDS-PP. A Câmara do Porto continua a ser das mais endividadas do país e a sua gestão financeira não é especialmente valorizada, antes pelo contrário, no estudo anual da CTOC sobre os municípios. O caso da Praça de Lisboa (para o qual Francisco da Rocha Antunes, insistentemente, nos convoca) pode ser um bom motivo de reflexão, não apenas sobre o “urbanismo comercial”, mas também sobre o que fazer com espaços públicos de referência. É que quando terminou (por evidente fracasso comercial) a anterior “cessão de exploração” da “Praça de Lisboa”, os autarcas que ocupam a Câmara do Porto não tinham apenas UMA saída, podiam fazer escolhas. Aliás o que é a política senão escolher, definir prioridades. Houve sugestões para a dinamização da Praça de Lisboa: instalação duma segunda Loja do Cidadão, ou pelo menos de alguns serviços públicos. Ou de um Centro Cívico. E também dum Pólo multi-serviços para os estudantes do Porto, como avançou a FAP, projecto bastante mais amplo do que acabou por ser aprovado. E estes exemplos não esgotam as possibilidades de aproveitamento qualificado e qualificador do espaço “Praça de Lisboa”. Mas qual foi a opção do executivo de Rui Rio? Não querer a intervenção/gestão do município. Como aliás acontece em praticamente tudo que corresponda a competências municipais relevantes. No desporto, não quiseram ter preocupações, não quiseram fazer nada. Assinaram um contrato-promessa de venda a um clube (a concretizar em 2034) duma construção de quase 9.000 m2 no Parque da Cidade. No turismo, o Executivo de Rui Rio não quis ter qualquer papel, delegou nos operadores turísticos a definição das políticas. Nos mercados, nem um só vai ficar no domínio municipal. E como gerir um teatro municipal dá trabalho, entregou-se o Rivoli a um empresário. Já na educação, dado o grande poder que os municípios vão ter na conformação dos currículos e na orientação pedagógica, aí o executivo de direita não tem dormido: não vai faltar em Setembro uma mochila para cada aluno. Mas já sobre a habitação, que é um instrumento importante para fixar população e qualificar a imagem social e física da cidade, nem uma única habitação de iniciativa pública foi disponibilizada aos jovens casais que são do Porto, gostam do Porto e se vêm forçados a sair da cidade, por falta de habitação compatível com os 500 euros de rendimento.
É certo que uma gestão pública competente dá trabalho, é exigente. Mas quem se candidata a órgãos autárquicos não pode ignorar o que o espera se for eleito: trabalho, trabalho, muito trabalho.
Pelo exposto, calem-se os autarcas que em todo o país (e correctamente) reclamam mais competências e mais meios para o poder local. Há uma autarquia (a Câmara do Porto) que não exerce nem quer exercer as (ainda limitadas) competências que uma lei de 1999 lhe faculta. Há que mudar a lei e pôr apenas uma única função para as câmaras: a de serem apenas uma espécie de “balcão de negócios”. E nesta actividade o executivo de Rui Rio tem sido formidável (nunca houve tanto alcatrão, tanta construção nova – mais de três milhões de metros quadrados, e nunca diminuiu tanto – dez quilómetros – a extensão dos corredores bus). Alguns batem palmas, mas esta metrópole que dá pelo nome de Porto, com estas políticas, vai a caminho da necrópole.
José Machado de Castro – deputado municipal do BE