De: F. Rocha Antunes - "Saques, concessões e discussões"
Caro Tiago
A essência da discussão que o Deputado Municipal Machado de Castro aqui trouxe é a de se saber se deve ser ou não o município a gerir os investimentos e equipamentos municipais. Na respectiva opinião, que é tão respeitável quanto a minha ou de qualquer outra pessoa, a concessão do investimento e da gestão a privados é um saque ao património colectivo da cidade. Diz outras coisas relacionadas com isso mas parece-me que podemos centrar a discussão nesse ponto. Antes porém devo dizer que saque é sinónimo de roubo ou pilhagem, e não encontrei nada mais suave que justifique a sua utilização num debate sereno de ideias. Vamos então ao que importa.
A ideia de concessionar um equipamento ou serviço tem por base uma ideia simples: é mais eficiente recorrer à iniciativa privada do que aos cofres e gestão públicas para realizar esses mesmo investimentos. O Porto e a sua história estão cheios de exemplos em que isso foi feito com grande sucesso: a concessão dada à Companhia de Carris de Ferro do Porto permitiu criar uma rede de transportes públicos que foi essencial para a afirmação da cidade como metrópole urbana no século passado, e as concessões das Hidroeléctricas do Douro tiveram uma influência tão grande na oferta de energia mais barata que ainda hoje o sistema de aquecimento de águas sanitárias predominante nas casas do Porto é o cilindro eléctrico. A oferta de estacionamento público foi criada por concessionários privados que acreditaram, durante uns anos, que esse tipo de investimento fazia sentido e assim dotaram a cidade de uns imprescindíveis milhares de lugares de estacionamento centrais que hoje são fundamentais na recuperação da Baixa. A concessão a uma empresa privada de uma rede de fibra óptica que está a ser instalada poderá permitir ao Porto dar um salto decisivo em matéria de competitividade. Ou seja, através das concessões privadas tem sido possível, ao longo da história recente, aumentar muito a qualidade de vida dos portuenses.
As concessões são sempre um contrato de investimento e exploração do equipamento ou serviço concessionado por um período de tempo longo. Implicam sempre um investimento inicial avultado que será recuperado lentamente, em resultado da gestão feita pelo concessionário nos termos definidos pelo próprio contrato de concessão. O que importa saber então é se o investimento é o que interessa à cidade e se as regras de gestão da concessão são as mais adequadas. Há muitas formas possíveis de condicionar a gestão, e qualquer concessão prevê o respectivo resgate no caso dos objectivos não serem atingidos ou as regras não forem seguidas. Existem assim obrigações e direitos quer por parte do concessionário quer por parte da entidade concedente. Além disso o equipamento criado pelo concessionário reverte para o concedente no fim do período da concessão. Já aconteceu isso com a Carris, vai acontecer com alguns parques de estacionamento que foram concessionados por 20 anos e vai seguramente acontecer com todas as restantes concessões que vierem a ser feitas. Ou seja, investe-se no princípio, gere-se de acordo com o que foi previamente estabelecido e entrega-se a funcionar no fim. Não consigo ver, sinceramente, como é que isto pode ser comparado a um roubo. Só com preconceitos ideológicos fortes, de quem acha que toda a propriedade deve ser exclusivamente gerida por órgãos colectivos, é que se pode ter essa visão.
Agora, os termos e as condições dessas concessões, tal como de todos os projectos de investimento, devem ser objecto da maior discussão prévia. Eu, por exemplo, escrevi aqui na altura certa o que achava que devia ser a concessão do Mercado do Bolhão. Temos neste momento uma discussão sobre as árvores do Jardim do Palácio de Cristal que acho que faz todo o sentido. Já não percebo, por exemplo, porque é que os nossos amigos ambientalistas não dizem nada quanto ao buraco gigante que está a ser feito do outro lado do muro do jardim, criando uma das maiores impermeabilizações de solos desde a que foi feita pela Faculdade de Letras. Se fosse um concessionário privado a fazer semelhante coisa já estava a ser pendurado num qualquer candeeiro mediático. Como é uma coisa do Estado, e o respeitinho é muito bonito, já não temos a indignação de ninguém. Até parece que à água da chuva faz diferença quem a impede de correr.
Francisco Rocha Antunes
Ps – lamento mas não respondo a personagens de banda desenhada, membros de organizações secretas e vozes de outros mundos. Manias.