De: Rui Valente - "Praça pública e juízos"
Caros companheiros
Vamos admitir que este era um espaço dedicado à Medicina, aberto à opinião pública. Nessa, como noutras áreas profissionais, o número e diversidade dos campos sujeitos a discussão pela comunidade é tanta, que limitá-los estritamente a peritos profissionais equivaleria praticamente a empobrecê-los, contrariando o seu próprio espírito e acabando por transformá-los num espaço de dabate técnico fechado, porventura monótono.
Quero com isto dizer que, na minha opinião, qualquer debate temático aberto, para ser enriquecedor, deve admitir a diferença, sem que daí resultem necessariamente desvios ao tema principal.
Pessoalmente, não me imagino a participar na "Baixa" confinado a ideias de objectividade concreta ou relativa, ignorando todos os aspectos da condição humana, sejam eles culturais, económicos, sociais ou mesmo psicológicos. Portanto, se houver curiosidade e paciência para me ler, muito bem, agradeço, se não houver, pode-se sempre cortar ou passar ao lado e o assunto fica resolvido.
Como já terão reparado, o nosso companheiro F. Rocha Antunes entra com alguma frequência em rota de colisão comigo e eu com ele. Se calhar até podemos ter algumas coisas em comum, mas a verdade é que temos conceitos diferentes sobre a utilidade das respectivas prestações. Ele, tem alguma dificuldade em admitir a sua colaboração neste espaço dissociada da sua actividade profissional, eu, sem ter nada contra, procuro analisar as coisas de uma forma menos específica, talvez mais genérica. O que acontece é que todos aqui dizemos coisas e não devemos estar seguros que a actividade particular de uns é mais profícua que a de outros, fazendo disso um troféu de indiscutível importância. Cada um dá o que pode.
F. Rocha Antunes citou Sophia de Mello Breyner com esta frase: "Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital." Eu acho que não podia ter escolhido melhor frase. Está lá tudo o que eu sinto e penso como portuense, só com uma diferença: ela (Sophia) vivia em Lisboa, eu já lá vivi, não gostei e regressei às origens.
Mas, acrescentarei: se há coisa que os portuenses estão em risco de perder é a sua genuidade de gente aberta, tão rude como generosa, mas implacável para com aqueles que os atraiçoam e lhes viram as costas. Hoje, a espontaneidade tripeira está um tanto adormecida e até degenerada, não pelos estrangeiros - a quem sempre soube franquear as portas, mas seguramente por um monstro camaleónico (para muitos estranhamente invisível) chamado Televisão, guarda avançada poderosa do centralismo lisboeta. Não foi por acaso que por diversas ocasiões enfatizei e lamentei a questão de nunca termos conseguido implantar no Porto uma estação de TV forte, bem estruturada e sobretudo autónoma! Devo ser das pessoas que aqui mais relevância deu ao tema!
Podem, por isso, continuar a tentar contestar-me à vontade e dizer que me repito, porque é verdade, tenho mesmo de me repetir. Faço-o com consciência e com a mesma determinação com que "vozes" mais poderosas que a minha vêm fazendo há décadas no sentido inverso ao meu, mas com outros recursos (e pelo que se vê) com "bons" resultados. Há lamentavelmente no Porto quem queira continuar convencido que são os portuenses os principais responsáveis pelos seus problemas, mas poderá suceder que a minúscula percentagem razoável dessa teoria resulte exactamente de uma artificial "abertura" para o Mundo, importada segundo padrões estranhos à nossa maneira de ser. A aldeia global em que vivemos tem aspectos positivos, mas o seu lado mais ameaçador é precisamente o de tentar fazer do carácter das pessoas um produto industrial que se altera e molda segundo conveniências de mercados e de políticas.
Poderá haver quem não descubra diferenças físicas e mentais entre um português e um sueco. Elas de facto existem, não se podendo daí extrapolar para a bondade de uns e a mediocridade de outros, mas a diferença é incontestável. E isto aplica-se também dentro do nosso território. Alentejanos e minhotos têm as suas diferenças.
A evolução na autenticidade é o que mais desejo para o Porto. Se isto é uma utopia paciência, mas nem por isso desistirei desse ideal. Como já aqui divulguei, não sou dos que foram eufóricos a correr pendurar a bandeirinha nacional na janela. A televisão é poderosa, é um facto. Parece até ter argumentos para derrubar e eleger "Presidentes", mas é justamente por ter a noção clara desse poder, da influência que tem sobre as pessoas, que entendo não ser através dele que devo orientar os meus gostos e passos, mas apenas pela minha própria cabeça. E quem poderá garantir que não gosto mais do meu país que qualquer administrador de televisão?
Rui Valente
P.S-Só um detalhe: espero que, pelo facto de não ter apreciado viver em Lisboa, não tenha (sem dar por isso) adquirido mais um complexo. Se assim for, faço votos que continue a divertir e potenciar a auto-estima dos alfacinhas. Não quero ser eu a desanimá-los.