De: Cristina Santos - "Unesco e silicone"

Submetido por taf em Sábado, 2006-06-24 21:17

Da minha parte divirto-me imenso com os Lisboetas, recebo a visita frequente destes privilegiados, e é inevitável que ao fim de um jantar estabeleçamos uma conversa produtiva, equilibrada, competitiva e absolutamente deserta de sentido prático.

«Cow Parade» em Lisboa

Na verdade, enquanto portuense faço o papel de vítima, eles concordam, anuem nas dificuldades sentidas no Porto, depois exageram e aí nasce a minha contradição (é assim há anos): queixo-me e quando os digníssimos privilegiados concordam caio-lhes em cima sem perdão, não admito que nenhum Lisboeta critique o Porto mesmo que tenha sido eu a iniciar a conversa.

Pode começar assim:

- Estou farta de viver aqui confinada, isto está a ultrapassar os limites, vou sair daqui...
- Não sei porque não te mudas para Vila do Conde, ou Gondomar, é mais económico e tem qualidade de vida...
- É verdade, um dia vou rasgar a camisola e sair...
- Francamente, eu não vivia numa terra confinada sem espaço para se expandir, uma terra que se vale de uma história que inventou e ainda se gaba de ter dado o nome a Portugal...
- Tem paciência, que a falta de expansão em Portugal deve-se ao crime lisboeta, foram vocês que assassinaram os nossos reis e foi desde aí que nunca mais conquistamos nada...
- Não temos culpa de não terem acompanhado, Lisboa é uma cidade cosmopolita, o Porto encerra-se em preconceitos e só tem para mostrar pedras sujas e gastas.
- Não chames sujidade à história, ao envelhecimento natural das coisas, Lisboa é só peelings e silicone, nós mantemos a identidade de Portugal viva e pronta para ser mostrada ao mundo com a conivência da UNESCO.
- Os portuenses só têm argumentos poéticos, vivem do amanhã, aferrolham o dinheiro no bolso a pensar que um dia lhes vai acontecer uma tragédia... Olha, é tal como tu, que consegues andar com as mesmas botas 2 Invernos seguidos.
- Não está ao v. alcance compreender, nós preferimos manter o vestuário, que andar vestidos com roupa em segunda mão, percebes, aqui uma loja de roupa em segunda mão não vende nada, amigos, nada.
- Tá calada pá, vós sereis sempre provincianos, a imagem é tudo e vocês não entendem, não tem abrangência, pá.
- A nossa abrangência é auto-sustentável, temos dinheiro para comprar Lisboa inteira e tudo o que nela se vende, mas não queremos, somos muito exigentes com a relação qualidade/ preço, percebes?!
- Vocês pá, se têm uma dívida já não dormem de noite e é assim desde a 1ª geração, bem vamos então lá abaixo à Ribeira... temos é que mudar de roupa, para evitar ser massacrados por algum fã do FCP.
- Acho bem trocares de roupa, não vá acontecer mesmo e depois não a podes devolver toda enrodilhada à boutique de aluguer...

E acabar em nada....

Cristina Santos