De: Carlos Ruben - "O país traidor"
Caro António Alves
A propósito do seu "país torto", a que não tive oportunidade de responder, saiba que para mim o conceito de nacionalidade portuguesa é algo distante e difuso. Fui-o perdendo enquanto observava o que se ia passando à minha volta. Digamos que foi um caso de desencanto, de desamor, de perda de fé. Sobra-me a forte identificação com a língua portuguesa, mas essa, felizmente, emancipou-se, é transnacional.
Sei, por conversas que vou mantendo um pouco por todo o norte, que este é um sentimento cada vez mais comum. Fale-se com as gentes que ainda estão no interior transmontano e reflicta-se no que dizem quando se lhes põe a questão da nacionalidade. É por aí que Portugal está a desaparecer, pela raia, pelo interior empobrecido e desertificado. Dantes eram as aldeias, agora já são as cidades a ficar sem gente.
Parece que só em Lisboa não sabem disto, embriagados que estão com o exercício do poder. Nem lhes interessa. O Portugal contemporâneo não passa de uma área de negócio à beira Tejo, que o ministro Pinho ilustrou muito bem com aquela ideia da West Coast e do Allgarve. É o Portugal deles, o que vai comprar sapatos a Itália, "o país traidor", como lhe chama alguém que conheço.
Para cá da CREL somos paisagem, uma reserva de indígenas a quem se cobram impostos e se devolvem umas migalhas (para não irmos todos ao mesmo tempo desaguar na capital). Para completar o cenário, sem eufemismos, não há um sistema de justiça, não há um sistema de saúde nem um de educação a funcionarem com um mínimo de decência, mas houve trinta anos e dinheiro a jorros para o fazer.
Nos crimes de colarinho branco grassa a impunidade. O regime está podre, corrupto, sem credibilidade junto da população. Creio que é preciso dizer isto, alto e bom som, antes de enveredar pela solução extrema – do separatismo - que propõe e que, devo dizer-lhe, não me é antipática, mas que acho do domínio da utopia.
Carlos Ruben