De: António Alves - "O Povo e as Elites"
Caro TAF,
Os concelhos, mesmo reunidos, não têm autonomia política para decidir como distribuir o investimento estatal ou decidir sobre políticas macroeconómicas. Não têm e nunca terão. Esse nível de decisão está reservado ao estado central, aos governos autónomos ou de estado federado.
Uma outra maneira de ler os números por mim apresentados é dizer que, por exemplo, um saldo de 100 euros por cada cidadão desta região a favor do estado central é o mesmo que dizer 370 milhões de euros num só ano. Isto é, nós pagaremos praticamente num só ano a renovação da marginal ribeirinha lisboeta (400 M €); ou então que pagaremos em apenas dois anos e pouco a primeira fase do ‘TGV’ Porto-Vigo (845 M €); ou, ainda, que já pagámos, em apenas pouco mais de um ano, a renovação do Aeroporto Sá Carneiro (500 M €).
O povo? O que é isso do povo? O povo não é uma entidade homogénea e politicamente determinada. Não é sequer determinante. Determinantes são as elites. Sempre foi assim e assim continuará a ser por muito que isso custe aos românticos que vêem o povo como uma entidade mítica carregada de bondade. O mito do povo vem na sequência da invenção do conceito de estado-nação, que o insuspeito Adriano Moreira considera que não existe, porque na realidade poucos coincidem com verdadeiras nações. O que existe é o estado soberano, cuja génese está na renascença e no iluminismo, consolidou-se no séc. XIX e foi levado ao extremo pelos fascismos e comunismos da primeira metade do séc. XX.
A entidade homogénea e soberana ‘povo’ não existe. O que existem são indivíduos e grupos sociais com os mais variados interesses e objectivos, a mais das vezes contraditórios e incompatíveis entre si. A definição sociológica, na minha opinião, mais correcta do que normalmente se chama ‘povo’ é o conjunto dos grupos sociais economicamente mais débeis e sem real poder político. Entenda-se poder político como capacidade de controlo e repartição dos recursos, principalmente os económicos. E quem controla esses recursos são as elites.
As elites são na verdade o motor de qualquer mudança e revolução. E essas, as revoluções, acontecem quando uma nova elite ambiciosa derruba uma outra já cristalizada. Assim foi na revolução francesa, na revolução russa, na nossa de 25 de Abril de 1974, em que uma elite militar, desconfortável por ser obrigada a combater uma guerra que sabia de antemão que não poderia vencer, nem dela retiraria qualquer honra ou glória, resolveu derrubar a elite no poder. Caso assim não fosse o regime marcelista não teria sido derrubado, pelo menos daquela maneira e por aquela elite. O povo, como sempre, não foi tido nem achado sobre o assunto. Se fosse, muito provavelmente teria ‘votado’ a favor do regime. Num caso mais recente, a revolução polaca, foi clara a actuação da elite intelectual-católica que usando como tropa de choque uma outra elite, a dos operários especializados da indústria pesada de Gdansk (sim, o povo também tem as suas elites), derrubou a elite comunista que detinha o poder. Até aquela que foi talvez a mais genuína das revoluções, a americana, teve como leitmotiv o descontentamento duma elite comercial que se achava altamente prejudicada pela política fiscal mercantilista da coroa britânica. Se a elite inglesa no poder tivesse sido mais inteligente, não prejudicando de modo tão violento a elite burguesa colonial, talvez o Canadá e os EUA ainda fossem um único país integrado na Comunidade Britânica.
Mesmo hoje, nas modernas democracias eleitorais, tudo se resume a disputas entre elites, entre as quais o ‘povo’ é chamado a escolher. Vence aquela que melhor manipula o povo. E o povo segue normalmente aquilo que está instituído e as elites que ele julga que lhe podem dar mais coisas. Podia chamar em meu socorro autores tão importantes como Pareto, Gaetano Mosca, Robert Michels, Ostrogorski e Wright Mills, entre outros, para sustentar esta minha tese, mas tudo isto é tão evidente que basta a mais simples observação empírica. As elites insatisfeitas é que são poderosos factores de mudança. São também elas, quando estão no poder, que mandam e não o povo.
Portanto a questão não está no povo mas sim nas elites. Está no que as elites locais querem. Se essas andam pelos jornais, televisões e blogues em lamúria permanente, mas nas primeiras eleições recomendam e vão todas ligeiras e pressurosas votar no senhor Cavaco Silva, quiçá o principal o principal responsável pelo sufocante centralismo que nos empobrece, é verdade, nada feito!
Nos últimos dias, a propósito do aeroporto, têm havido boas indicações acerca da vontade das elites. Vamos ver até onde elas são capazes de ir. O que nos interessa a todos é colocar no poder uma elite que se preocupe com o bem-estar das pessoas desta região.
Soluções pedidas pelo TAF: O princípio da subsidiariedade. Que as elites locais governem localmente, com autonomia, os recursos locais em favor das pessoas da sua região. Para isso é necessário um nível de governo local com poderes suficientes tanto a nível político como orçamental e fiscal. Um governo que possa, por exemplo, decidir como deve ser gerida uma infra-estrutura importantíssima para a internacionalização da nossa economia como é o Aeroporto Sá Carneiro e que tenha poder para evitar que tanto esta, como qualquer outra, infra-estrutura local seja subalternizada e posta ao serviço de interesses alheios ao desta região. Ou então decidir quais são as infra-estruturas prioritárias em que deve ser aplicado o produto dos nossos impostos. Coisas que, está mais que provado, o actual estado central não sabe ou não quer fazer. A mudança de paradigma é o governo autónomo, fim do estado centralizado, implementação, por exemplo, dum sistema do género federal. Acho que era desnecessário dizer isto, mas já que foi pedido…
Off the topic:
Hoje fiquei a saber que os dois remadores do Sport Clube do Porto que vão aos Olímpicos não serão acompanhados pelos seus treinadores, responsáveis pela sua excelente classificação, mas sim, por determinação da Federação de Remo, por um outro que até anteriormente pretendeu excluir os citados atletas. No mínimo esquisito.
António Alves