De: Nuno Oliveira - "O Porto tem potencial para a Mobilidade Sustentável?"

Submetido por taf em Quinta, 2008-07-24 17:38

Caro Baixa do Porto

O "Baixa do Porto" tem a virtude de ser um local onde a discussão se dá sempre no sentido de convergir no benefício da cidade e dos seus habitantes. É nesta preocupação fundamental que estão unidos os seus participantes, mesmo quando existem divergências na interpretação dos problemas e nas abordagens aos mesmos. É também o apreço pela cidade que muitas vezes motiva o envolvimento intenso na discussão, que também se pretendeu anteriormente sem prejuízo do respeito mútuo dos intervenientes.

Existe um esclarecimento que me parece fundamental fazer a quem não participou no evento: o Bike Tour não foi patrocinado pela indústria chinesa de fabrico de bicicletas a troco de 15 euros. Estas foram fornecidas por uma empresa portuguesa a 60 euros (kit) o que, apenas devido a este evento, aumentou o número de bicicletas portuguesas a circular no país em 10%. Com alguma fé (2% p.e.) significa um aumento no número de ciclistas do Porto. Se aumentar 2% todos os anos... A República Popular da China é responsável por inúmeras violações dos Direitos Humanos e ao copyright mas diga-se com justiça que não arruinou o fim-de-semana dos portuenses.

O Bike Tour foi na verdade organizado por uma empresa de eventos e pelo IDT e financiado (?) por empresas de grande dimensão que para ele contribuíram infelizmente com uma enorme dose de oportunismo (não são o motivador original) e para um photo-op montado para o cruzar da Arrábida (que surpreendeu muitos participantes) - foi a criticada componente show-off. Mas porquê atravessar a Arrábida? Foi um acto simbólico com o intuito de provar que é de facto possível cruzar a cidade desde uma das suas entradas fundamentais. Se tivesse sido realizada no Pocinho ou apenas na Foz o impacto seria nulo e perdia-se ainda mais a mensagem procurada.

O Bike Tour e as Maratonas, mesmo na sua componente publicitária (bem patente até um nível quase desconfortável, admita-se), são porém eventos cujos objectivos seriam chamar atenção para os hábitos saudáveis (ninguém discordará deste aspecto). Portugal tem a maior obesidade infantil da Europa, não haverá aqui um exemplo a dar por parte da sociedade? Existe muito espaço para melhor organização mas pertencerão realmente ao restante rol absolutamente repudiável de "eventos" irrelevantes que enumera Jorge Azevedo? Quanta saúde e cidadania existirão em Francesinhas, Queimas, e Cervejas?

Se não é possível circular a pé ou de bicicleta e os transportes públicos não funcionam ou não são adequados aos hábitos e localização de um conjunto de potenciais utentes, então existirá a necessidade (responsabilidade?) por parte destes de criar uma comissão de utentes ou um movimento de cidadãos para procurar reinvindicar esta abrangência. A AM do Porto é fértil de situações exemplares neste aspecto, com resultados diversos, mas sem a resignação da população civil. Existem os moradores de Vila d'Este, o recente caso dos utentes do suburbano de Braga, ou os utentes dos STCP.

Mas a discussão recente em relação ao Bike Tour trouxe várias questões que são de certeza relevantes para a cidade e para o Baixa: terá o Porto a capacidade de acolher pelo menos 8000 (n.º máximo atingido pela iniciativa) ciclistas adicionais por dia sem necessitar de intervenção policial? Sendo a bicicleta uma ferramenta de trabalho em todo o mundo (e não apenas um veículo de lazer para levar para a marginal aos fins-de-semana) e existindo argumentos ambientais, económicos, sociais e de saúde que colocam o seu potencial ao mesmo nível do necessário automóvel individual, não será relevante equacionar uma convivência equilibrada de ambos para a Cidade do Porto? Existirá vontade política e da população para fornecer à cidade um plano de acessibilidade para velocípedes? É um desafio de planeamento tão estimulante como urgente e muitas cidades mais agressivas para o ciclista do que o Porto já iniciaram processos neste sentido.

O Porto é uma cidade cuja topografia permite circular de bicicleta? É o argumento mais usado em Portugal contra a circulação de bicicletas nas nossas cidades. Não existe nenhum estudo científico para o Porto neste sentido logo faz todo o sentido chamar o "bluff" como se poderá do mesmo modo anunciar o inverso. É verdade que o Bike Tour começou a uma cota mais alta do que a chegada, diferença essa distribuída por 12 km, várias crianças de 12 anos não tiveram dificuldades em fazer o percurso no totalidade - obviamente é um condicionamento individual. Entretanto um investigador está neste momento a procurar provar numa cidade famosa pelas suas colinas o fundamento deste argumento. É uma questão bem colocada e importante para a mudança de mentalidades e que para benefício da cidade poderá estimular um estudo interessante das condições de acessibilidade do Porto. O Porto tem uma diversidade tão grande de situações morfológicas e topográficas como de hábitos pessoais de mobilidade, haverá nesta diversidade lugar para as bicicletas?
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Com os melhores cumprimentos,
Nuno Oliveira