De: Rui Valente - "A experiência de uma iniciativa..."

Submetido por taf em Sexta, 2006-06-16 23:14

Cá estamos nós outra vez, calorosamente envolvidos no tema do "desenvolvimento regional", procurando com alguma parcimónia descontextualizar o assunto de uma realidade concreta não menos importante que é, objectivamente, a situação profissional, económica e social de cada cidadão.

Com tantas e tão variadas opiniões, compreendo melhor Cristina Santos quando ocasionalmente diz sentir-se confusa. De facto, tenho momentos, perante alguns categóricos conhecimentos sobre economias e mercados aqui revelados, que também eu chego a ficar um pouco baralhado e a duvidar das minhas capacidades pessoais, que apesar de limitadas, não são propriamente as de um atrasado mental.

Por outro lado, vou retocar numa tecla (que já pensava ultrapassada) que é a de se insistir em dar contornos "extraterrestres" aos problemas da região, como se nos fosse proibido falar dela. Afinal, o que querem? Que passemos a falar dos problemas de Ranholas?

Nós somos do Porto, somos do Norte, e é perfeitamente correcto e objectivo referirmo-nos à nossa região porque é dela que se trata e não de outra qualquer. E mais uma vez, lamento ter de discordar com F. Rocha Antunes, quando logo na sua primeira expressão, se interroga a despeito da viabilidade do Porto "se estaremos condenados a ser os eternos beneficiários dos subsídios dos fundos de coesão", sabendo que, se houve região beneficiada com esses mesmos subsídios, foi a região de Lisboa e Vale do Tejo. Portanto, caro F. Rocha Antunes, sejamos criteriosos nas nossas observações para não entrarmos em contradições.

Agora, se me permitem, e a propósito de se ter ou não, iniciativa, vou contar-vos uma pequena história pessoal.

Aqui há uns anos, juntamente com outro sócio, decidi lançar-me num negócio na área do ambiente a coberto das famosas ILE's (Iniciativas Locais de Emprego) e dos RIME (Regime de Incentivos às Pequenas e Médias Empresas), para procurar algum apoio financeiro, dado que o ramo de actividade (na área do ambiente) se enquadrava legalmente no restrito grupo de beneficiários de supostos apoios especiais.

Depois de muita papelada (somos bons nisto), de apresentarmos o projecto respectivo e de andarmos numa roda viva a correr de Banco para Banco e, apesar do mesmo ter sido considerado viável, a verdade é que os tais subsídios nunca nos foram concedidos. Mais: quando perguntávamos aos funcionários bancários quantos projectos, antes do nosso, tinham sido deferidos, titubeavam e acabam por confessar que não sabiam.

Mas, para terem uma ideia ainda mais caricaturável do insólito, conto-vos mais esta cena: um dia, entrei num determinado banco onde reparei existirem folhetos publicitários sobre um desses regimes de suporte financeiro e, quando me dirigi ao gerente para recolher mais informação sobre o assunto, ele não sabia do que lhe estava a falar, nem tão pouco da existência de tais folhetos! Parece mentira, não é? Mas, é verdade. Passou-se comigo.

Eu sei que o que acabei de vos relatar nada acrescenta ao nosso problema, mas é apenas para vos ajudar a compreender um pouco melhor a "teia" ardilosa do sistema em que vivemos e não tendermos a focalizar as nossas dificuldades numa só origem, muito menos em nós próprios. O problema, concordo, é um pouco de todos nós, mas é essencialmente político! Os incentivos de que vos falei estavam sob a tutela da Segurança Social... e foi o que se viu.

Aos políticos, incumbe a tarefa de ordenar e controlar a sociedade civil e como infelizmente ainda estão muito longe de o conseguir, não me parece razoável esperar que sejam os cidadãos, sem recursos nem poder, a dar o primeiro passo.

Essa ideia, alimentada pelos políticos (e Cavaco Silva não foi nada original no discurso), face aos exemplos que vão dando de si mesmos, não é, no mínimo, respeitável, mas é mais perigosa ainda se formos nós cidadãos civis, com poderes muito restritos, a dar-lhe lastro. Eu recuso-me a dar.

Rui Valente
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Nota de TAF: Acrescento que estes incentivos de que fala Rui Valente era suposto existirem para compensar, entre outras coisas, a escassez de capital de risco. Mas na prática é o que se vê: nem capital de risco nem nada... Pior, os "apoios" acabam por se revelar, frequentemente, uma armadilha que constitui o maior impedimento ao sucesso do negócio. O Estado não é uma pessoa de bem e faz questão de o demonstrar todos os dias.