De: Paula Morais - "Gestão urbana negociada"

Submetido por taf em Terça, 2008-02-05 23:15

Caros participantes

Após algum tempo de “hibernação” aqui do Baixa, e cativada pelos recentes comentários e notícias relacionadas com as concessões a privados do Bolhão, do Bom Sucesso, do Ferreira Borges e outros espaços públicos da Cidade, retomo a minha participação com umas breves reflexões acerca desta nova maneira de agir em matéria de políticas públicas urbanas que utilizam a negociação como recurso de gestão. Reflexo dos actuais processos de governação, cada vez mais descentralizados e com maior número de interlocutores, e em que, cada vez mais, com fundamento na ausência de recursos, se questiona sobre se o Estado e instituições públicas devem continuar a ser os órgãos de poder definidores e executores dessas políticas ou se devem deslocar essas “funções” tradicionais, passando a ser órgãos coordenadores e “mediadores” dos diferentes agentes, interesses e lógicas envolvidos no processo de gestão urbana, o procedimento negocial surge como instrumento frequentemente utilizado para a gestão daquele que é o suporte de grande parte das políticas urbanas, o património cultural imobiliário.

Confrontados com os espaços públicos e a memória colectiva de um lado, as referências simbólicas e a sua preservação de outro, e ainda com o desenvolvimento territorial e a necessária revitalização económica, social e urbana por outro, os municípios apresentam-se hoje em dia como importantes agentes de concertação de interesses (muitas vezes conflituosos e antagónicos). Sendo, como li algures, “os códigos de comportamento, os rituais de comemoração, ou ainda, as manifestações de protesto formas de construção e de preservação da memória local”, as “tradicionais” políticas de gestão do património cultural urbano e as estratégias de preservação e reabilitação operadas pelas entidades públicas têm, assim, de passar por uma revisão profunda, suportando-se em parâmetros de actuação de co-responsabilidade do cidadão e da sociedade, ou seja, em decisões e acções partilhadas que incluam negociações e parcerias. Contudo, para que exista a tal co-responsabilização é também imprescindível que existam ainda outras mudanças: mudanças a nível metodológico, a nível legal-administrativo e a nível institucional, que auxiliem na “mediação” entre Estado e sociedade, permitindo consolidar negociações e parcerias, e incentivando assim uma maior integração das comunidades interessadas nos programas políticos.

A nível metodológico, os conceitos-chave da gestão urbana negociada são, sem dúvida, as especificidades locais, a sustentabilidade e a informação. Previamente a uma negociação é fundamental proceder-se a diagnósticos de investigação e impacto social, que se constituirão em linhas de programas urbanísticos participativos (para os quais é necessária, como aqui referiu Alexandre Burmester, informação pública transparente), e assim se passar para as fases seguintes de elaboração, execução e manutenção dos projectos urbanos.

A nível legal-administrativo, se a regionalização como forma de descentralização ainda tarda a chegar, o Simplex já foi introduzindo algumas mudanças: por exemplo, a introdução da contratualização nos procedimentos de elaboração de Planos de Pormenor, que podem agora ser despoletados por privados, ou o recentíssimo Código dos Contratos Públicos, que incluí na lista de procedimentos para a formação de contratos públicos, o procedimento por negociação e o designado de diálogo concorrencial.

A nível institucional, por sua vez, já não é raro ouvir falar de comissões técnicas de acompanhamento de projectos públicos urbanos, de equipas multidisciplinares, entre outras formas organizativas de difusão de parcerias entre os órgãos públicos e as comunidades locais. Inclusive, e como consequência de uma certa “politização” de alguns projectos técnicos/arquitectónicos, o próprio papel dos técnicos projectistas, urbanistas e outros profissionais do urbanismo está também a sofrer alterações, surgindo designações como por exemplo os “chefs de project” ou os médiateurs sociaux franceses, que são figuras jurídicas encarregadas da interlocução e negociação entre os administradores públicos, os parceiros e a comunidade, estabelecendo cronogramas, agendas de trabalho, entre outras tarefas de coordenação.

Por último, e como já é um hábito meu, refiro um exemplo de aplicação deste novo conceito de gestão negociada aplicada à revitalização urbana, que partilha de um contexto e de objectivos semelhantes aos da cidade do Porto: reabilitar um centro urbano “negligenciado, com o seu património construído degradado, equipamentos públicos insuficientes e cuja população abandonou o centro”, com uma, cada vez maior, limitação de recursos.

- O Plano Estrutural de Preservação da Cidade de Montpellier, que inclui o projecto de reabilitação estrutural da área de Gambetta/Figuerolles, e que teve início em 1994, na sequência de esta cidade se preparar para fazer 1000 anos. A cidade milenar de Montpellier preparou um projecto global e escalonado de reabilitação urbana do seu centro centrado, principalmente, na beleza do seu património cultural, tendo como slogan: “À Mille Ans La Ville Est Belle” – “La Petite Surdouée se Passionne Pour Le Progrès”. A par do programa de reabilitação do edificado histórico da área central Gambetta/Figuerolles, o município, através de formas contratualizadas e de parcerias negociadas, implementou também o projecto Montpellier-Technópole, cujos principais objectivos se constituíam em dotar o centro da cidade de equipamentos públicos rejuvenescidos e rejuvenescedores e com capacidade de atrair novos utilizadores. Começaram assim a ser executados diferentes projectos, de diversas magnitudes, de forma escalonada e criteriosa, seguindo um plano espacialmente definido e debatido, por sua vez orientado por uma nova distribuição de funções outrora existentes no centro da cidade, agora carecidas de serem deslocalizadas dos seus locais originais, mas mantendo-se na mesma no centro.

Mobilização, debate público, e compromisso legal (contratualização) foram alguns dos conceitos que presidiram a transformação, nesta cidade francesa, da ainda persistente estrutura piramidal das habitualmente designadas “decisões urbanísticas de gabinete” numa interessante cadeia de acordos urbanísticos negociados.

Paula Morais
Arquitecta