De: F. Rocha Antunes - "Organizemo-nos"
Meu caro José Pulido Valente
Sabes que sou como tu, não perco uma boa discussão por nada deste mundo. E é um prazer discutir contigo.
Voltas a cometer aquilo que já te disse que é um erro recorrente teu, a generalização abusiva de um juízo pontual para a classificação global de uma pessoa ou conduta. Eu não escrevi em lado nenhum que a gestão que o Arquitecto Ricardo Figueiredo fez no Urbanismo da Câmara do Porto foi corajosa e exemplar, nem para o caso que foi o seu contrário. O que disse, e repito, foi que em dois aspectos concretos dessa gestão, a negociação da redução das volumetrias aprovadas pela Câmara anterior e na abertura à discussão pública do PDM, tinha feito bem. Esta diferença pode parecer de pormenor mas não é.
Eu prefiro condenar ou apoiar um aspecto concreto da actuação de um político, tentando incentivá-lo a alterar ou a continuar determinado caminho, mas preservando a pessoa de maneira a que me aceite como interlocutor crítico mas interessado no melhor resultado. E esforço-me para que as pessoas que critico ou aplaudo sintam que é um aspecto pontual que está a ser apreciado e não um juízo definitivo que está a ser emitido. Eu acredito muito mais do que tu na capacidade redentora da crítica, já sabemos disso. Por uma questão económica, claro: somos poucos os que se importam e se empenham na coisa pública, e como tal não podemos dar-nos ao luxo de deixar sistematicamente de fora da nossa consideração todos os que cometem algum erro. Claro que se alguém persiste no erro, a coisa muda de figura. Sou mais ecológico, prefiro reciclar comportamentos.
Tu és um formalista. Sempre achei curiosa a tua evolução de um revolucionário para um formalista. E esse teu formalismo actual é um dos pontos em que voltamos a estar de acordo, a importância que dás ao cumprimento de regras iguais para todos. Eu concordo completamente quando dizes que não importa nada a simpatia ou não de um vereador, o que importa é que cumpra e faça cumprir as regras. Um liberal como eu não podia estar mais de acordo.
Quanto às questões em si, negociação de redução de direitos e existência ou não de direitos na Quinta da China, acho o seguinte:
Tu partes do princípio que, como as Normas Provisórias são ilegais, tudo o que não seja feito de acordo com o PDM anterior ou do actual, e este depois de publicado em Diário da República, está mal. Mas tens de perceber que nem todas as pessoas têm essa opinião. E não é por isso que são vigaristas ou irresponsáveis. Não sei o suficiente de Direito para te dar razão mas o tempo dirá se tens razão ou não. Não podes é esperar que todas as pessoas façam a mesma interpretação que tu fazes. E, em rigor, esperas que os outros decidam com base na tua interpretação. E como não o fazem estão todos ilegais. Isso, meu caro, é formalmente inaceitável. Só depois de se provar que tens razão é que isso é exigível. Até lá não.
Volto a não concordar contigo quando dizes que no caso da Quinta da China as coisas são transparentes. Não acho nada.
Nenhum de nós conhece o contrato celebrado entre a Câmara do Porto e o investidor. E tu consideras que só no caso de existirem direitos de construção adquiridos é que a Câmara teria que indemnizar esse investidor pela não construção. Ora, como sabes, há outros direitos contratuais que não são direitos de construção. Qualquer compromisso que tenha sido assumido pela Câmara num contrato é um compromisso válido, ainda que não resultante; repito, de direitos de construção. Se a Câmara se obrigar a realojar alguém, ou a limpar um terreno, por exemplo, ou outra prestação qualquer e não o fizer, e se estiver previsto no próprio contrato que se não o fizer tem de pagar uma determinada indemnização, a Câmara é responsável pelo pagamento dessa indemnização em caso de incumprimento. Não tenhas qualquer dúvida sobre o assunto.
Pelo que li nos jornais, o Presidente declarou que, se dependesse apenas da sua vontade, não deixava construir um metro quadrado que seja naquele sítio. Ou seja, seria um potencial subscritor da tua acção popular. Mas também disse que estava legalmente obrigado a fazê-lo. O que é lamentável é que o Presidente continue a não perceber que era preferível partilhar toda a informação, para que os interessados nestas coisas pudessem avaliar o que está de facto em jogo e evitar que, por erro de julgamento, se comece a dizer que virou o bico ao prego. E às tantas até evitava uma acção popular. Um dia vai perceber que a abertura na gestão urbanística é o melhor aliado de quem quer fazer as coisas de forma séria. Sem abertura e cumplicidade com a cidade não consegue atrair para as causas difíceis as energias necessárias ao seu sucesso.
Um abraço do Francisco Rocha Antunes
PS. Tiago, o Estado está dispensado de cumprir os regulamentos que obriga os outros a cumprir. Valia a pena recuperar a ficha técnica do projecto.