De: José Luís Ferreira - "Quo vadis?"
Por um lado, não é assunto que mereça resposta. Ou pelo menos, assim me pareceu inicialmente, mas a coisa continua e se calhar é melhor não deixar a discussão pelos argumentos mais primários. Mais Rivoli, menos Rivoli, a cidade não morre. E estou inclusivamente de acordo que há assuntos cuja matéria seja mais decisiva para as pessoas «reais» (belisquem-me, por favor). É pena que a «miséria do simbólico» seja vista como prescindível para a malta do «real», mas ora abóbora!
O que me levou a, afinal, escrever este post, foi uma certa ideia que começa a instalar-se, segundo a qual «não é justificação plausível para um acto o nosso entendimento sobre a nossa acção». Ou a de que as «acções impulsivas são bem antagónicas em relação a característica construtiva que mais é necessária nos dias de hoje». Ou a pérola: «Entendimentos subjectivos são, a meu ver, dispensáveis.»
Ora abóbora, outra vez. Somos capazes, apesar da nossa miséria vivencial, de continuarmos a ser seres éticos, ou somos mesmo ratos? O que pode fundamentar um acto se não for o nosso entendimento sobre ele? O telejornal da TVI? O JC superestrela? O que poderá dispensar-se menos do que os entendimentos subjectivos? Ou lemos o pasquim telemático da CMP para sabermos o que pensar? Concordarei também que as acções impulsivas implicam riscos para quem as tome (é a vida…), mas a ideia de construção que subjaz (subjaz, porque eu sou culto e sei usar o léxico) a esta ideia daquilo que é necessário nos dias de hoje é suficientemente aterradora. Mas isto deve ser porque eu vivo fora do «real».
As elites e o povo, e o povo e as ditas, são uma salada onde eu não gostaria de por as mãos. O problema, diria, está pelo menos dos dois lados... Mas isto sou eu a tresdizer-me, eu que sou culto.
«Bem vindos ao deserto do real.»*
José Luís Ferreira
*É apenas uma forma de sublinhar, de dar um pouco de grotesco à minha mesquinha condição de culto. Trata-se de uma dupla citação: Morpheus, em Matrix, dando as boas vindas ao recém-acordado Neo; e depois o título de um livrito de um esloveno (ou seja, nascido num concelho para lá da área metropolitana) chamado Slavoj Žižek, onde, entre outras pequenas reflexões que talvez interessassem a um senhor tomado, lacanianamente (uau!), pela «bruta paixão pelo Real», ele conta a parábola da tinta azul: uma pessoa, normal, talvez inculta, arranja trabalho num sítio onde a vida é difícil e a liberdade de expressão não é propriamente acarinhada. Combina então com os amigos a quem promete escrever que, se a carta estiver escrita a azul, podem acreditar no que diz; se, pelo contrário, estiver escrita a vermelho, estará a mentir. Um mês depois, os amigos recebem uma carta, escrita a azul, que diz: «Aqui tudo é maravilhoso, as lojas estão abastecidas, a comida é abundante, os aposentos espaçosos e bem aquecidos, as salas de cinema passam filmes ocidentais, há muitas raparigas disponíveis – a única coisa que falta é a tinta vermelha.» E conclui Žižek (que raio de nome, deve ser estrangeiro!!): «sentimo-nos livres pela boa razão de que nos falta precisamente a linguagem [a tinta vermelha, digo eu porque sou culto e sei interpretar] que poderia articular a nossa falta de liberdade». Bem haja, meu amigo!