De: Paula Morais - "Temos Ordem?!"
Caros participantes
Após ter lido o comunicado da associação profissional da qual faço parte (a Ordem dos Arquitectos), tomei a liberdade de me “inspirar” no título do último post do Pedro Aroso, para aqui partilhar, desta vez, a minha perplexidade pelo conteúdo incluído em tal comunicação pública, na parte em que refere, relativamente à UOPG da Av. Nun’Álvares, que “esta UOPG agora em análise terá que, necessariamente, concretizar-se através de um Plano de Pormenor”.
De facto uma primeira leitura literal, e talvez apressada, da alínea l) do artigo 85.º do RJIGT pode induzir à interpretação de que os actuais PDMs, ao delimitarem UOPGs, determinam a necessidade de posterior elaboração de Planos de Urbanização e de Planos de Pormenor, pois de acordo com tal alínea, e no âmbito dos objectivos a prosseguir na sua elaboração, os Planos Directores Municipais definem as “unidades operativas de planeamento e gestão, para efeitos da programação da execução do plano, estabelecendo para cada uma das mesmas os respectivos objectivos, bem como os termos de referência para a necessária elaboração de planos de urbanização e de pormenor”.
Contudo, perfilhando do que é ensinado nas faculdades de Direito, cujas lições mencionam que a leitura das normas jurídicas urbanísticas não deve ser efectuada de forma rígida e descontextualizada quer das restantes normas quer da realidade dos factos, e atendendo a que as questões relacionadas com a execução dos planos urbanísticos ainda não estão o suficientemente sedimentadas na realidade portuguesa de modo a não suscitarem dúvidas, concordo com aqueles que entendem que o legislador teve em conta a realidade nacional, e defendem que uma coisa é a situação ideal preconizada nas disposições normativas como situação a atingir [por ex. todos os municípios elaborarem todos os tipos de planos previstos para os diferentes níveis de planeamento], e outra coisa é a aplicação prática das suas disposições, em que nos deparamos com situações por sua vez não ideais como, por exemplo, a situação não ideal de os municípios não possuírem os recursos financeiros, humanos e técnicos necessários para a prossecução de todos os fins a que estão incumbidos, da situação não ideal de não existir cadastro actualizado dos prédios, a situação não ideal de não termos ainda uma sociedade intensamente participativa nas questões de cidadania, entre outras...
Atendendo a tal realidade, o legislador estabeleceu assim, no âmbito da execução dos planos, que “as unidades de execução podem corresponder a uma unidade operativa de planeamento e gestão, à área abrangida por um plano de pormenor ou a parte desta” [n.º 3 do art. 120.º], bem como “os planos e as operações urbanísticas são executadas através dos sistemas de compensação, de cooperação e de imposição administrativa” [n.º 1 do art. 119.º] e “a aplicação de mecanismos de perequação previstos nesta secção realiza-se no âmbito dos planos de pormenor ou das unidades de execução” [n.º 2 do art. 136.º] – (sublinhado meu). Ou seja, as unidades de execução podem assim corresponder a uma UOPG ou a um Plano de Pormenor, ou ainda a parte deles. Conforme é indicado no diploma, quer os planos de urbanização, quer os planos de pormenor são de existência facultativa (o único que é obrigatório é o PDM – n.º 3 do art. 84.º), cuja decisão de elaboração deve ser ponderada pelos órgãos municipais tendo como base de decisão o princípio da necessidade (n.º 2 do art. 74.º). Aliás, se tais planos fossem actualmente obrigatórios para todo o território (situação ideal), o urbanismo nacional bloqueava, pelo menos naqueles municípios em que a ausência de recursos é quase total... acresce ainda que, sendo obrigatórios e instrumentos de iniciativa pública, em muitas situações, os particulares ficariam sem poder realizar as operações urbanísticas enquanto não se elaborassem os planos de urbanização e de pormenor... Atendendo a esta realidade, a lei prevê inclusive que as unidades de execução possam ser delimitadas por iniciativa dos particulares interessados [n.º 2 do art. 119], permitindo assim a estes últimos superar a inércia da Administração Pública na elaboração dos planos.
Discordo pois da forma como foi redigido o comunicado, na parte que mencionei no início deste post, uma vez que entendo que o mesmo não deixou transparecer todas as hipóteses em causa, tendo sido redutor no seu conteúdo ao referir “terá que, necessariamente, concretizar-se através de um Plano de Pormenor”. Como organismo representativo de um grupo profissional de cidadãos, no caso Arquitectos, e cujos comunicados são portanto, em certa medida, influenciadores da opinião pública, entendo que ao mesmo tempo que defende os interesses dos seus membros, que correspondem também aos interesses dos cidadãos em geral no bom ordenamento do espaço físico que enquadra as actividades humanas, deve também contribuir para a formação de opiniões de um modo mais esclarecedor e informado.
Paula Morais
Arquitecta