De: F. Rocha Antunes - "Valor dos terrenos para construção"
Caro Tiago,
A tua questão é relevante embora não correcta. É relevante porque foca o essencial das regras de urbanização, a questão da criação da renda fundiária. Não é correcta porque o sistema de definição do valor dos terrenos em Portugal é legalmente, e há muitos anos, definido pela sua capacidade construtiva que por sua vez é definida pelos Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT). Este caso da Via Nun’Álvares é excelente para demonstrar como.
O PDM classificou as zonas da cidade por tipos de construção que se pode fazer ou não, e esse é o principal factor de distribuição de direitos de construção. Com base nessa classificação os terrenos foram livremente comprados e vendidos, pelos valores que os seus intervenientes bem entenderam. A expectativa de uma capacidade de construção média equivalente ao definido pelo PDM é legítima. Claro que em Portugal a maioria dos negócios não se faz pela capacidade média mas pela máxima e aí sim há novidades nas regras gerais que poucas pessoas já perceberam: a partir de agora os custos não apenas das infra-estruturas urbanísticas mas também da compensação de quem fica com direitos de construção abaixo da média são suportados por aqueles que ficam com capacidades construtivas acima da média. Isto é o essencial dos sistemas de perequação compensatória, obrigatórios por lei como antes já disse. Ou seja, é asneira fazer negócios pela capacidade máxima, porque para se obter essa capacidade máxima ainda se vai ter de pagar o excesso que estiver acima da capacidade média.
Como sabes, propus que a perequação no Porto fosse feita entre a Baixa e o resto da cidade (caro David Afonso, isto é consigo também ;-)). O sistema era simples e consistia em transferir direitos de construção obtidos pela Baixa para as zonas novas, dentro de certos limites, evidentemente. Quem investisse na Baixa ganhava direitos de construção transferíveis que podia aumentar em até 0,2 a capacidade construtiva de um terreno. Essa parte ficou consagrada no regulamento do PDM, no que se veio a chamar SIM-Porto. Funciona assim: quem recuperar um prédio na Baixa pode obter, por exemplo, 350 m² de direitos transferíveis quando tiver o prédio concluído. Não pode aumentar em 350 m² o prédio da Baixa, ganha é direitos de construção transferíveis que pode vender livremente e nas quantidades que quiser. Alguém que tenha um terreno de 1000 m² na Foz com um índice de 0,6 poderá, normalmente, fazer 600 m² de construção. Se comprar m² transferíveis pode aumentar legalmente a capacidade de construção até um máximo de acréscimo de 0,2, ou seja, pode construir mais 200 m² no mesmo terreno. Esta é a forma de perequação mais eficiente entre a Baixa e o resto da cidade, e quando o regulamento do SIM-Porto for finalmente publicado vai poder ser utilizada para melhorar a equação económica do investimento na Baixa.
Só que alguém entretanto ligou o “complicómetro” e um mecanismo que deveria ser simples e estimulante passou a ser complicado e para entendidos. Enfim, a perequação entre a Baixa e o resto da cidade vai existir, mas podia ser muito mais simples do que é.
Francisco Rocha Antunes
Promotor imobiliário