De: Rui Valente - "Obras e responsabilidades"
Senhor Luís Bonifácio,
Pode crer que também aprecio a correcção, mas prefiro o rigor. Parecem sinónimos mas não são. Se fizer questão, posso noutra altura indicar-lhe onde encontro as diferenças. Contudo, não vou debater consigo o pormenor da hora e do dia de determinados factos. Se foi fulano ou beltrano, que disse esta ou aquela frase ou se esta última foi interrompida e distorcida por um espirro de cicrano ou por uma rajada de vento. Isso, e os motivos que levaram à realização de obras medíocres e perigosas, no contexto da história de um país não passam de faits divers onde se investe de acordo com as conveniências das partes interessadas.
O que lhe posso dizer é que, ao longo de 32 anos, estou saturado de ler e ouvir todo o tipo de argumentos para desculpar o fracasso dos nossos governantes em todas as linhas. Estou farto, é o termo. Desculpe, mas a minha correcção não chega ao extremo de procurar outro adjectivo mais dócil, porque farto é a que melhor encaixa neste cenário. Repare bem, não estou a dizer-lhe que sou pessimista, que estou enervado, que só consigo ver filmes a preto e branco ou que sou derrotista. Estou-lhe a dizer simplesmente que estou farto de políticos incompetentes e aldrabões e que lamento não dispor de poderes para os meter na ordem.
Sabe porquê? Porque durante todo este tempo não tenho na memória um único ministério, nos sucessivos governos até aos dias de hoje, de cuja eficácia ainda estejamos a retirar benefícios relevantes. Passaram a vida a fazer e desfazer, a começar sem nunca acabar uma política de reformas e o resultado é o que se vê.
Hoje mesmo podemos ler no jornal "Público" uma notícia reveladora do marasmo do Estado (se calhar muito conveniente) no que respeita a reformas. Só agora entrou em discussão pública a proposta de redacção do novo Código dos Contratos Públicos, para condicionar a sobrevalorização das adjudicações e das obras a mais. Isto dirá tudo, ou ainda não?
Para terminar, espero que o meu amigo não integre o clube daqueles que atribuem a culpa da morte nas nossas estradas apenas à irresponsabilidade dos condutores ou ao álcool e se esqueça das ratoeiras fatais resultantes da péssima construção das estradas, da falta de sinalização ou da total ausência de cantoneiros para as limpar. Esse é outro disco de cuja melodia ainda não me deixei (apesar dos constantes branqueamentos) seduzir. Pode estar seguro que, se pudesse, não eram só os condutores inconscientes que puniria, mas também certos dirigentes das estradas nacionais que a coberto de múltiplas entidades como a JAE, DGE, DRE, etc, etc, se refugiam para camuflar as suas responsabilidades, incluindo as da morte de muito bom condutor.
Portanto, para não me alongar mais, é isto que se me oferece responder às incorrecções que apontou ao meu comentário sobre a IP5 e a A4. Não altero uma vírgula a tudo o que escrevi.
Rui Valente