De: José Luís Ferreira - "Rivoli: a palavra a quem a conquista"

Submetido por taf em Sábado, 2007-06-16 02:24

Anima-me ver este respeitável blog ocupado com coisas menores tão importantes como um Teatro municipal. Anima-me constatar que nem toda a gente escorrega perante o discurso (ou o silêncio discursivo) dominante.

A questão do Rivoli é central no pensamento que possamos ter para a cidade. Tem a sua história, dez anos fugazes com uma história muitíssimo mais meritória do que qualquer das verdades oficiais sobre ele enunciadas. Mas tem – ou não tem – muito mais futuro do que tem passado. Porque cumpre uma função real, ou um conjunto de funções reais, materiais, concretas, daquelas que podem mudar a nossa vida.

Podemos não ter uma ideia muito precisa do que inspirou Leonardo quando pintou a Gioconda, ou das consequências que a estreia de Ricardo II teve na corte isabelina, mas sabemos que ali se reinventou um pouco daquilo que somos. Podemos não ter percebido, mas a afirmação radical de Magritte («ceci n'est pas une pipe»), ou o urinol que Duchamp pendurou em parede de museu, impossibilitou já há muito qualquer hipótese de boa consciência em quem veste com assinatura para assistir a uma simples repetição ad nauseam (de franquíssima baixa qualidade, ainda por cima) da ópera-choque de 1967 (ano de grande colheita, de resto). Porque, eventualmente, ceci n'est pas une griffe , ou cela n'est pas une cravate, ou então, cela n'est même pas un jet-set, e por aí fora até percebermos que o simulacro do simulacro do simulacro que nos vendem caro não é senão um rei nu, obscenamente ocultado pela transparência...

Podemos não saber para o que serve um Teatro, mas podemos tentar descobrir. O «objectivo cultural» possível de atingir com um Teatro municipal não é a «audiência», suposto milagre da multiplicação dos ouvidos que ouvem e não reflectem, engolem e não produzem.

Em havendo alguma coisa a fazer num Teatro, só pode fazer-se com a «audiência», ou talvez com os «espectadores», ou com o «público», ou talvez com as simples pessoas, homo contribuintibus que tem direito a qualquer coisa de inteligente e elaborado, por contraposição à alienação ordeira que nos é obscenamente proposta pela autoridade (que não autorictas, nunca, jamais).

Podemos não ter percebido bem onde é que o La Féria nos está a enganar (a nós, e ao pobre do senhor presidente da câmara, mas esse descobrirá da pior maneira, e não teremos que esperar assim tanto). Mas as contas estão feitas e muito bem feitas aqui abaixo por outros contribuintibus deste blog. O negócio que a CMP (ainda não) fez com o sr. F. la F. não passa de (mais um) ruinoso investimento público numa estratégia estéril, de redução das experiências das pessoas à repetição acrítica do mesmo, que não traz lucros a ninguém (nem mesmo, quase apostava, ao sr. F. la F. ele próprio, porque o Porto afinal não o vai merecer e ele vai alçar daqui o rabo e voltar para aquela rua duvidosa em Lisboa onde ele tem a sua casinha).

Bem, dito isto, e para terminar, algumas respostas mais explícitas às questões inocentes colocadas abaixo:
- não há contrato, e depois, há azar?!;
- agenda!!??!! beinham masé ber o crixtu, senaum eu bou-mimbora...;
- rezemos para que a cidade não tenha que recorrer a produções alternativas, senão sabe-se lá o que é que eles iriam inventar (talvez a explosão das audiências com uma síntese da Divina Comédia encenada pelo Fernando Mendes);
- a previsão jurídica, consciente e realista do que a CMP terá que pagar aos calaceiros dos ex-empregados da Culturporto é (principalmente se a isso acrescentarmos as massas que foram precisas para adquirir o teatro, reconstruí-lo, equipá-lo e fazer dele um Teatro conhecido na Europa), exactamente: pra cima dum balúrdio (daqueles mesmo muita grandes);
- se o produtor abandonar o (des)investimento, a gente agradece;
- o La Féria não equipou o Teatro: comprou uns robots e uma máquina de fumos (porque a seguir deve estar a pensar fazer a Maldição dos Mortos-Vivos). Se se for embora, leve-os com ele (please)
- será o Rivoli um caso descarado de investimento público, para proveito privado? É gaijo...

E por aqui me fico, agradecendo publicação.

José Luís Ferreira